Adriano Correia de Oliveira, meu colega dos desafinados da turma B

 

Adriano Correia de Oliveira, meu colega dos desafinados da turma B



Rui de Melo

 

Tributo a Adriano Correia de Oliveira apareceu no grupo de amigos de Arnaldo Trindade, no Facebook.

Fomos colegas na turma B do 1º ano, no Liceu Alexandre Herculano. Adriano era um rapaz alto, afável, bom colega e bom aluno. Enquanto ele era o maior da turma eu era um dos mais pequenos. Fazia questão de me proteger dos cachaços que os mais pequenos levavam dos mais crescidos. Quando chegou a altura de fazer a classificação das vozes, lembro-me que havia três categorias: a primeira voz, a segunda voz e os desafinados. O Adriano e eu fomos classificados como desafinados…

O Adriano entrou na Faculdade antes de mim. Quando nos reencontrámos, na Estação Nova, em Coimbra, rejubilámos e recordámos o episódio dos “desafinados”. Adriano era, então, a par de José Afonso, uma figura reconhecida no meio universitário como uma das importantes vozes de intervenção contra a situação política que se vivia.

A minha atividade na rádio permitia-me divulgar tudo o que o Adriano produzia. Foi sempre um dos "obrigatórios" nos meus programas

O espírito sereno que lhe conheci nos tempos do liceu tinha dado lugar a um espírito agitado. Coimbra mudara o rapaz de Avintes que andara comigo nos estudos liceais. No entanto, continuava generoso, tendencionalmente protetor dos mais fracos como sempre o mostrou no seu intervencionismo.

A vida profissional fez-me abandonar a Faculdade. A vida militar separou-nos ainda mais. Os encontros esporádicos em Coimbra deixaram de acontecer.

Nunca me disse que tinha aderido ao Partido Comunista. Também nunca lhe perguntei nada sobre particulares opções políticas porque o importante é que éramos do “contra”.

Só quem viveu aqueles tempos pode dar o verdadeiro valor do que foi o ato heroico de cantar Manuel Alegre, em O Canto e as Armas.

Adriano Correia de Oliveira está entre os fundadores da Cooperativa Cantarabril (com quem, mais tarde, romperia). A atividade despoletada pelo 25 de Abril fez-nos só reencontrar em entrevistas ocasionais de espetáculos ou lançamento de discos. Depois, perdemo-nos de vista. Quando soube da sua morte e trágicas circunstâncias, em 1982, lamentei o nunca poder ter retribuído o protecionismo juvenil que dele recebi. Em compensação, ajudei a fazer de cada disco dele um êxito.

Alguma justiça lhe fizeram os poderes públicos. Em 24 de Setembro de 1983 foi feito Comendador da Ordem da Liberdade e a 24 de abril de 1994 foi feito Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, ambas as condecorações a título póstumo.

Os amigos mais íntimos foram criando formas de o manter vivo na nossa memória e na nossa gratidão por quem deu tudo pela liberdade e pela justiça social num cantar único de sensibilidade atuante. Assim se criou o Centro Artístico e Cultural Adriano Correia de Oliveira e escolas e ruas têm o seu nome.

 

Rui de Melo


Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Serviço público de radiodifusão e o tributo a Bustamante

 

Serviço público de radiodifusão e o tributo a Bustamante

 


Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

 

O Professor Enrique Bustamante, faleceu no dia 20 de junho, em Málaga.  Catedrático jubilado da Universidade Complutense de Madrid, e um dos principais investigadores europeus da área da Cultura e Comunicação Audiovisual, foi um dos meus professores do Curso de Doctorado da Pontificia de Salamanca. Com ele, entre muitas outras coisas, falámos do serviço público de rádio e de televisão e como ele deve ser objeto de um grande Pacto Social, celebrado entre os seus profissionais e a sociedade civil, apoiado no Parlamento e garantido pelo poder executivo. A minha experiência como profissional do Serviço Público de radiodifusão tinham-me deixado em dúvida quanto às ideias e práticas de participação da sociedade civil nos conteúdos do serviço público de rádio e de televisão.   É uma linha de pensamento que atravessa os investigadores do Conselho da Europa, embora sublinhem que tais propostas não podem substituir as decisões democráticas de base social, mas sim ativá-las, fornecendo elementos de análise e ação.

A legitimidade social, democrática e jurídica do serviço público de radiodifusão é inquestionável à luz tanto da doutrina da União Europeia como das disposições constitucionais e da legislação em vigor. Mas exigem-se condições precisas que garantam a execução do serviço público para os fins pretendidos.

Bustamante dizia que o serviço público de radiodifusão é um mandato imperativo do modelo social europeu, por mais que cada Estado-Membro tenha capacidade para o adaptar às realidades nacionais. Ele lembrava as menções e citações no mesmo sentido do Protocolo de Amsterdão de 1997, incorporado no Tratado de Lisboa com valor constitucional, que concorda, posteriormente, com a Carta dos Direitos Fundamentais da União de 2007 para atender às necessidades sociais e culturais e democráticas da sociedade e ter em conta que, incluindo nas funções de controlo, a Comissão de Bruxelas havia de confirmar a legitimidade do serviço público nas suas comunicações de 2001 e 2009 sobre financiamento público.

Além disso, a referida Carta estabelece os direitos de liberdade de expressão e pluralismo (artigo 11), que segundo o Grupo de Alto Nível criado para este fim (High Level Group on media Freedom & Pluralism) significa a existência de reguladores audiovisuais independentes e meios públicos de comunicação com “regras rígidas que proíbem a ingerência política e garantem o seu pluralismo”.

Desde o famoso McBride Report, vincam-se as obrigações contraídas com a Convenção sobre a proteção da diversidade cultural da UNESCO de 2005, rubricado pela U.E., ou as múltiplas proclamações feitas no Conselho da Europa, muito ativo na definição de boas práticas neste domínio.

Existem também inúmeras resoluções do Parlamento Europeu no mesmo sentido: por exemplo, em 3 de abril de 2012, o Diário Oficial da U.E. publicou uma resolução que proclama o papel fundamental "de um sistema europeu dual de rádio e televisão verdadeiramente equilibrado", exigindo um financiamento estável e suficiente e "apelando aos Estados-Membros para que ponham fim à ingerência política no que diz respeito aos conteúdos produzidos pelos organismos de serviço público".

No Relatório do Conselho para a Reforma dos Meios de Comunicação Públicos do Estado de 2005, foi dada ênfase às estruturas de governação e financiamento, como condições sine qua non para consolidar um serviço público autêntico; embora também tenha sido assinalado que estas estruturas, por si só, não garantiam o sucesso, na ausência de consciência dos agentes políticos e, sobretudo, da sociedade civil. Portanto, concluiu-se que a falta de estruturas adequadas condenou o serviço público à crise permanente, sua degradação e, por fim, sua marginalização ou extinção.

Paralelamente e em escala internacional, um relatório da UNESCO do mesmo ano também reconheceu que “poderia ser simplista supor que uma réplica completa desses sistemas e práticas em diferentes ambientes produzirá os mesmos resultados benéficos”. Porque "como em outras esferas de atividade, o sucesso ou o fracasso do serviço público de radiodifusão depende de uma série de fatores, incluindo a sua história local, geografia, cultura, ethos político e condições sociais e económicas" (UNESCO, 2006).

Recordar esses elementos básicos da boa governança ajudam a enquadrar a situação. Ainda mais no contexto de um sistema mediático e televisivo que evoluiu consideravelmente, não só pelo impulso das mudanças tecnológicas ou da crise económica, mas também como consequência de decisões políticas e regulamentares que, frequentemente, foram envoltos nesses fatores para melhor moldar o espaço público de forma partidária.

Diz Castells, um dos meus autores de referência, que estamos a testemunhar uma clara “crise de legitimidade democrática”. Essa ascensão da síndrome do descontentamento cidadão, que atinge a democracia representativa, incluindo os meios de comunicação e os jornalistas, "não deve ser interpretada como uma crise da política, mas como um processo de mudança”, com a procura de novas formas de participação política e aprofundamento da democracia, com novos representantes da sociedade civil e o combate à corrupção visando a regeneração do sistema político.

A atualidade política portuguesa mostra que a transparência não é fácil, acentuando-se a dificuldade de controle de enriquecimentos não justificados. Num ambiente global de mobilizações de protesto social sem precedentes (da Islândia em 2008, passando pelas primaveras árabes e o 15-M espanhol em 2011, até Hong Kong em 2014 e 2020), a ação direta coletiva é combinada com a ação desencadeada na interconexão social.

Espera-se, assim, uma nova conceção democrática ligada ao Governo Aberto, de transparência informativa dos atos públicos, mas também de compreensão da democracia como um processo de construção coletiva da sociedade em que os cidadãos desempenham um papel ativo como "produtores de governança". Uma profunda transformação da participação direta e do controle dos cidadãos/usuários que as novas redes possibilitam hoje e que é perfeitamente “compatível com a responsabilidade (accountability), com a eficácia e eficiência da boa governança”.

Respeitando as competências dos Parlamentos, como autêntica representação da sociedade, é necessário dar voz direta à sociedade civil e às suas entidades representativas a nível estadual e local, colocando-as no centro da gestão e do controlo das suas missões; além disso, é necessário encontrar um novo modelo viável e sustentável de financiamento do serviço público e tentar consciencializar o público sobre a sua capacidade de influenciar as redes sociais públicas.

Rentabilidade social

A lógica do serviço público europeu é regida pela ideia de rentabilidade social. Esta rentabilidade social implica em termos democráticos (pluralismo ideológico e participação democrática), com acessibilidade total aos serviços audiovisuais para pessoas com deficiência; diversidade cultural (promoção e divulgação de cultura de qualidade); e a defesa dos valores e dos direitos humanos e sociais, desde a luta pela igualdade de género e origem racial até à expressão e defesa das minorias e o apoio informativo e valores do Estado Providência.

A utilização de indicadores que refletem o pluralismo político e social já se tornou uma prática sistemática dos serviços públicos e das autoridades audiovisuais europeias. A rentabilidade social engloba esses aspetos, mas tem de ir muito além e refletir-se num conjunto de indicadores que meçam o impacto do serviço público sobre os cidadãos.

A rentabilidade social do serviço público assenta, singularmente, em alguns conteúdos cuja divulgação cumpre uma importante função no domínio da educação, saúde, cultura, desporto, acessibilidade para pessoas com deficiência, igualdade de género, exercício efetivo dos direitos fundamentais e, em geral, nas campanhas de consciencialização cidadã, cujo impacto dos programas vai muito além das campanhas institucionais planeadas.

O serviço público devia desempenhar um papel importante ao nível da inovação cultural e criativa (incluindo o desenvolvimento de novos formatos audiovisuais) e desempenhar um papel essencial na literacia e no acesso às novas tecnologias e redes digitais.

Porém, a cidadania tem dificuldade em ver o serviço público comprometido com a ideia de uma comunicação de “interesse social”. Desconhece-se qualquer avaliação de impacto social neste sentido, bem como da sua quantificação económica como investimento em capital social.

Já em 2005, o Relatório do Conselho para a Reforma propôs indicadores de controle para medir o pluralismo e a diversidade (ICR 2005, pp. 85-87). Os conteúdos que podem ser considerados de interesse social, como prevenção à saúde, obesidade infantil, cancro, combate ao bullying, violência de género ou acidentes de trânsito.

A criação de sinergias entre as diferentes plataformas é essencial. Sem abandonar a produção de conteúdos para os canais tradicionais, a capacidade de produção do serviço público de radiodifusão deve ser colocada ao serviço da criação de novos conteúdos para plataformas interativas, mas em sinergia com a programação tradicional.

A programação, nos tempos atuais, deve ser pensada em termos de consumo linear e não linear, num compromisso social de televisão e rádio. Toda a programação e conteúdo devem estar disponíveis em plataformas interativas.

Participação e comunidade.

A interatividade e a participação do público devem ser valores desenvolvidos transversalmente, tanto na programação linear quanto em plataformas interativas. Bustamante chega a propor que todo o conteúdo deve ser projetado para criar comunidades. E sublinha que a participação em redes sociais e a incorporação de conteúdos criados pelo público exige novos padrões em Códigos Deontológicos e Livros de Estilo.

Personalização.

O tratamento dos dados coletados em plataformas interativas deve ser aplicado para melhor determinar as necessidades do público e permitir a personalização do conteúdo. Há que estabelecer critérios de acesso a conteúdos especiais, convite para programas, debates, etc., para além do direito de participar na eleição do conselho geral independente.

O tratamento dos dados será realizado respeitando os direitos dos usuários e sem qualquer exploração comercial posterior. Todos os conteúdos e serviços devem ser customizáveis ​​e permitir ao usuário consumi-los em diferentes plataformas a qualquer hora, lugar e dispositivo.

O esforço a desenvolver deve compatibilizar-se com o caráter bilateral da taxa. Ou seja, é também um pagamento que deve ser feito para receber algo em troca. No âmbito público, por exemplo, ao pagarmos a taxa de saneamento básico estamos a receber em troca o serviço de recolha de lixo das ruas, providenciado pelo ente público. Também aí há uma troca de serviço pelo pagamento. Ora, a taxa do audiovisual sempre foi de bilateralidade problemática. Não há a linearidade do exemplo citado. Ou seja, a escolha do serviço não se liga, diretamente, à vontade própria do utilizador.

A bilateralidade mitiga-se no conselho geral e no conselho de opinião. Ao dar uma vista de olhos pelos seus componentes verifica-se uma umbilical relação partidária. Com mais ou menos variáveis, a velha lógica mantém-se: assembleia nomeia governo, governo nomeia administração, administração nomeia diretores, diretores nomeiam chefes, o que resulta numa unilateralidade imposta

Procurando contrariar esta lógica, Henrique Bustamante formou o Teledetodos.

Propostas de participação cidadã de teledetodos

Bustamante acreditava que os meios de comunicação públicos apostariam na participação cidadã efetiva e com toda a amplitude possível. A sociedade civil (organizações e movimentos de cidadãos com capacidade representativa) pode e deve estar ciente da importância que o serviço público de comunicação pode ter na melhoria da qualidade democrática da vida pública e no progresso da sociedade como um todo. Portanto, a sua presença nos mais altos órgãos de gestão do serviço público e sua participação sistemática nas decisões de programação e conteúdo devem ser consideradas lógicas e naturais.

Esta ligação entre os cidadãos e o seu direito à participação efetiva deve traduzir-se numa mudança profunda nos canais e procedimentos de consulta, de acordo com os princípios elementares do que deve ser um governo aberto.

Além disso, o desenvolvimento de um serviço público exige imperativamente, por razões de legitimidade e raízes na sociedade e como marcas da doutrina europeia, uma gestão autónoma, controlada por autoridades externas e independentes, bem como por uma comissão parlamentar; protegido da interferência de governos e grupos de pressão privados e enraizado na participação intensiva dos cidadãos.

Quem quiser, pode visitar o site https://teledetodos.es/

 

Rui de Melo

 

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

 

Rádio comunitária - um meio de expressão da comunidade

Rádio comunitária - um meio de expressão da comunidade

 

Resumo:

A rádio comunitária, sem expressão na península ibérica, existe já um pouco por todo o mundo, umas constituindo experiências isoladas e sem expressão, outras completamente inseridas na respectiva realidade nacional ou regional, ligadas a conferências internacionais, a publicações e outros grupos de interesses ou de actividades.

Abstract: 

Community radio, without expression in the Iberian peninsula, it already exists a little for everywhere, some constituting isolated experiences and without expression, other completely inserted in the respective national or regional reality, tied up to international conferences, to publications and other groups of interests or of activities.

1. O fenómeno das rádios comunitárias

Ao longo dos últimos anos, a rádio conheceu uma grande evolução por todo o mundo. A par das rádios de serviço público e das rádios comerciais, a América Latina desencadeia um processo original com a criação das rádios comunitárias  que rapidamente se espalha um pouco por todo o mundo. O papel destas rádios tem-se centrado em dar voz a determinados grupos sociais de âmbito religioso, universitário, minorias étnicas, minorias culturais e outras. O orçamento é necessariamente modesto, com o financiamento a provir da boa vontade do pessoal que nelas trabalha, de contribuições voluntárias de associados e respectivos ouvintes e raramente da publicidade. Trata-se de levar por diante uma missão comprometida com a facilitação da livre circulação da informação, potenciando a liberdade de expressão e o diálogo no seio das comunidades em que aquelas rádios se inserem, por forma a criar condições para uma participação mais activa das populações na res publica.

A partir de 1989, as rádios comunitárias conheceram um incremento assinalável, beneficiando das inovações e dos progressos tecnológicos na área do equipamento, da redução dos preços dos emissores em FM, do fim dos monopólios de serviço público de rádio, da conquista de espaço político por parte das forças democráticas e do aparecimento de novos actores privados.

A rádio comunitária, sem expressão na península ibérica, existe já um pouco por todo o mundo, umas constituindo experiências isoladas e sem expressão, outras completamente inseridas na respectiva realidade nacional ou regional, ligadas a conferências internacionais, a publicações e outros grupos de interesses ou de actividades. Vale a pena recorrer à UNESCO  para conhecer alguns exemplos deste tipo de rádio.

Há casos de reagrupamento de populações duma mesma etnia (como a rádio dos Hilltribes de Chiangmai na Tailândia), de trabalhadores de uma mesma actividade económica (como os mineiros da Bolívia), os naturais duma mesma aldeia (como em Appam ou Dormaa Ahengkro no Ghana), os 3 000 habitantes de uma ilhota com a Rádio Sunshine de Niué no Pacífico.

Os apoios surgem de organizações confessionais (como a Associação Mundial para a Comunicação Cristã, o Conselho Ecuménico das Igrejas, a Fundação Luterana Mundial, a Associação Católica Internacional para a Rádio, a Televisão e o Audiovisual - UNDA), de partidos políticos ou ainda de organismos de desenvolvimento.

A Associação Mundial das Rádios Comunitárias (AMARC) e a Associação Internacional de Radiodifusão (AIR) são organismos internacionais à volta dos quais se juntam as rádios comunitárias.

 

 

1.1. A rádio comunitária em África

Em África, a rádio cresceu significativamente nos últimos anos, particularmente no que se relaciona com o número de receptores. Para tal terá contribuído o facto de a rádio corresponder melhor à tradição oral das culturas africanas e permitir o uso de uma grande variedade de línguas vernáculas. Com metade da população analfabeta, a função educativa que cabe aos media, e à rádio em particular, revela-se essencial para a difusão de uma cultura democrática e melhoria da qualidade de vida, no combate contra a pobreza, a má alimentação, a doença e a iliteracia. Com o fim dos monopólios de estado, surgiram algumas rádios comunitárias, fundadas na ideia da participação dos ouvintes e com o funcionamento assegurado por um ou dois profissionais, sendo os restantes colaboradores a título voluntário. No intuito de se autonomizarem em relação às autoridades públicas, a maioria destas rádios organiza-se em regime associativo.

Em geral, os países africanos receberam, com a independência, as instalações radiofónicas dos colonizadores e o respectivo regime de monopólio que só muito recentemente começou a abrir-se, timidamente, à iniciativa privada.

Com a televisão e a imprensa concentradas nas grandes cidades, só a rádio tem condições para cobrir os territórios. O certo é que o processo de democratização, que foi ocorrendo um pouco por toda a África, deu lugar a profundas modificações na paisagem mediática do continente.

Em países como o Benin, o Burkina Faso, a Guiné, o Mali ou o Senegal, o fim do monopólio da rádio pública deu lugar à criação de órgãos de regulação e de uma legislação aberta ao pluralismo. No entanto, algumas experiências de rádios privadas ou comerciais revelaram dificuldades de afirmação numa paisagem radiofónica dominada tradicionalmente pelo sector público. De uma maneira geral, os poderes públicos controlam o processo de atribuição de frequências e favorecem as rádios do sector público. É uma situação fruto do inconformismo do poder em relação à perda do controle de um meio tão determinante como a rádio. Só que o efeito se revela contrário à vontade dos poderes já que a África se destaca pela preferência que dá às rádios internacionais. Ou seja, a ausência de pluralismo à escala nacional e local pode revelar-se, a prazo, como uma ameaça para a identidade cultural do próprio país.

A África Ocidental já dispõe de várias rádios comerciais, especializadas ou generalistas como a Africa N°1 no Gabão, Horizon FM no Burkina Faso, Rádio Multi Media e a Rádio TSF em Cabo Verde, a Radio Jeune Afrique Musique e a Radio Nostalgie, na Costa do Marfim, e a Sud FM, no Senegal. Nos países anglófonos e lusófonos, exceptuando a África do Sul, a Guiné-Bissau, a Namíbia, a Nigéria, o Uganda e a Zâmbia, as leis da radiodifusão não contemplam a criação de rádios privadas.

Na África do Sul, a rádio adaptou-se à sociedade pós apartheid, com a criação, em 1997, de sete rádios privadas criadas por novos operadores identificados com a identidade africana . A maior parte das rádios africanas, públicas ou privadas, dispõe de parte importante da sua programação em francês, inglês ou português. Esta tendência aparece reforçada com o surgimento, em 1992, de cadeias em formato "music and news" em FM. Porém, ainda há países como Angola, Madagáscar e a República da Tanzânia, onde as cadeias de rádio difundem a totalidade da sua programação nas línguas locais. Mesmo assim, se a rádio permanece como o único verdadeiro meio de comunicação de massas, a radiodifusão em FM está limitada apenas a algumas cidades. Quanto à radiodifusão directa por satélite, por cabo, analógica ou digital estão completamente fora de questão em África, tendo em conta o custo das instalações técnicas necessárias.

Em 1995 existia já uma centena de rádios locais, rurais, públicas ou privadas, situando-se sobretudo nos meios rurais ou em cidades secundárias. É uma realidade vivida no Burkina Faso  e no Mali, que dispõem, respectivamente, de 10 e 21 rádios comunitárias em regiões rurais, ao contrário do que se passa em relação às rádios comerciais que se concentram nas grandes capitais .

O Mali tem vindo a constituir um exemplo de dinamismo radiofónico a partir da conquista da liberdade de imprensa em 1991 . Foi neste país que surgiu a primeira rádio de mulheres, irradiando dos arredores de Bamako (Magnambougou) programas realizados conjuntamente com o clube de ouvintes e as associações de mulheres.

No Quénia, foi curta a história da rádio comunitária de Homa Bay, surgida pela iniciativa da UNESCO em 1982. Dois anos depois era encerrada por razões políticas. Só em 1996 apareceu a Kenya Community Media Network (KCOMNET) com o propósito de organizar o conjunto das rádios comunitárias.

No Senegal, em 1994, surgia a Rádio Sud FM como primeira rádio privada do país. O mesmo acontecendo na Gâmbia com a Radio One FM, assentando a sua programação em emissões participadas, com os ouvintes a darem as suas opiniões pelo telefone.

Os países africanos de expressão portuguesa são um bom campo de estudo deste tema onde, inclusivamente por influência da Igreja Católica, se implantaram estações de rádio privadas, já com alguma influência em Angola (Rádio Eclésia) e Moçambique (Rádio Pax).

Em Moçambique, a Rádio Pax, católica, que desempenhou um papel importante pela independência do país durante a década de 60, depois de ter estado silenciada durante duas dezenas de anos, retomou as suas emissões em 1994. Está agora instalada na região de Inhamizua e retomou o trabalho importante de recolha de documentos sonoros sobre as tradições locais. Estão previstos projectos de rádio para Maputo, Quelimane, Chimoio e Pemba .

Entretanto, a lei da imprensa, de 1991, permitiu a livre criação de media e garante o direito à liberdade de expressão. Há 65 rádios comunitárias.

Entrou em funcionamento, em Xinavane, o primeiro Centro Multimédia Comunitário (CMC), em Moçambique, parte integrante do projecto UNESCO.

Mas há outras interessantes experiências em Cabo Verde com a Rádio Multi Media e a Rádio TSF.

Na Guiné-Bissau, com o apoio e a cooperação técnica da Suíça, surgiram rádios regionais, em 1992, nas quatro regiões do país (Kankan, Labé, Kindia e N’Zérékoré). A população vive intensamente estas rádios, participando directamente na produção de programas. Em 1993, teve a experiência da Rádio Quele criada com o fim de desencadear uma forte campanha de saúde pública para o combate a uma epidemia de cólera. A primeira rádio privada, Galaxia de Pindjiquiti, só apareceu em 1995, com emissões em crioulo, português, wolof e sousso, tomando como tema dominante o desenvolvimento. Na ilha de Bubaque, foi também criada uma rádio local por uma organização não governamental no âmbito de um projecto de "Reserva da biosfera".

Em Angola, o programa SOS Media foi introduzido em 1998. Possibilitou, de imediato, a formação de 80 profissionais de rádio, dos quais 27 mulheres, ajudando-os a produzir emissões sobre o desemprego, os meninos da rua, a saúde e a condição feminina. Difundidos pela Rádio das Nações Unidas e as rádios do Estado, estes programas destinaram-se a preparar o terreno para a criação de estações de rádio independentes.

1.2. A rádio comunitária na América do Sul

Na América do Sul, a rádio experimentou um desenvolvimento considerável nas últimas décadas, o que levou Garitoandía a dizer que “a rádio tanto mais progride quanto maior for a percentagem de iletrados de um país”.

O panorama radiofónico é dominado por rádios comerciais e semi-públicas. Este aspecto criou condições para o despontar de inúmeras rádios locais. O fenómeno das rádios comunitárias tem neste continente a sua expressão máxima. No Brasil chamam-lhes rádios livres, participativas na Nicarágua, populares no Equador e no Peru  e só na Argentina lhes chamam mesmo rádios comunitárias. A estas há que juntar as rádios educativas privadas da Igreja Católica. A maior parte delas tem mesmo licenças comerciais, mas preferem beneficiar do estatuto particular de rádios de índole educativa e cultural.

Como a realização de programas educativos exige pessoal especializado no ensino e enquadrado nos programas educativos nacionais, estas rádios são frequentemente financiadas por organismos internacionais, nomeadamente fundações europeias de carácter confessional. Estas rádios comunitárias nascem sobretudo de esforços conjugados de associações de mulheres, de organizações camponesas, de partidos políticos, de sindicatos ou de clubes de jovens.

Um número razoável destas rádios elabora textos impressos em offset, destinados ao acompanhamento dos conteúdos das emissões. Outras distribuem cassetes áudio e diapositivos. Outras ainda trabalham em colaboração com voluntários, os chamados "reporteros populares", formados em meios desfavorecidos ou marginalizados pelos media estabelecidos. Recebem uma formação das técnicas de reportagem para poderem estabelecer um bom relacionamento entre a comunidade e a estação de rádio .

Mario Kaplun  pôs em marcha o fórum de animação por cassetes, no Uruguai e na Venezuela. Funciona como um sistema de comunicação comunitária especificamente latino-americano, servindo de ligação entre as organizações populares e fornecendo um meio de comunicação com os responsáveis das cooperativas rurais ou dos sindicatos de agricultores.

A AMARC e o Centro de Educación Popular (CEDEP) lançaram uma iniciativa; em 1996, que constitui um serviço radiofónico de notícias chamado Pulsar. Pretende-se que as estações de rádio comunitárias da América Latina e das Caraíbas  aproveitem as múltiplas possibilidades da Internet.

A Asociación Latinoamericana de Educación Radiofónica (ALER), fundada em 1972, reúne cerca de 60 rádios educativas. Os membros da ALER facultam instrução a mais de 1 milhão de estudantes inscritos nos cursos das escolas radiofónicas e chegam a mais 15 milhões de ouvintes que seguem as emissões da "Universidade das Ondas" dedicadas aos programas de desenvolvimento agrícola, sanitário ou outros.

1.3.    A rádio comunitária na Ásia

1.3.1. Timor.

Em 2003, a colaboração com as rádios comunitárias de Timor abrange três rádios, Lospalos, Maliana, Liquiça para a formação, o apoio à gestão e a produção, e o fornecimento de equipamentos.

As rádios comunitárias representam um instrumento único para os projectos de desenvolvimento local – e, em Timor, tiveram e têm um papel central: reconstrução do elo social, dar a palavra às comunidades, educação popular, espaço de debate e de expressão fora dos centros urbanos.

Desde o início do ano 2000, a INDE tem apoiado iniciativas de rádio comunitária em Timor. Foi primeiro com a RCL – Rádio Comunidade de Lospalos, onde foi proposta uma original cooperação Sul-Sul, com um formador vindo da Guiné-Bissau (animador das rádios comunitárias da ONG guineense AD), a enquadrar um grupo de correspondentes voluntários para dar os primeiros passos na realização de reportagens, edição em estúdio, e dinamização comunitária.

A segunda etapa foi em Maliana, no extremo oposto de Timor, ao lado da fronteira com a Indonésia. A colaboração com a Rádio Maliana permitiu igualmente a formação de correspondentes, o reforço do comité de gestão da rádio, e uma melhor inserção desta dentro da comunidade.

Em 2003, a INDE continuará de apoiar as rádios de Lospalos e Maliana, mas vai igualmente iniciar uma colaboração com Rádio Tokodede, uma rádio comunitária estabelecida em Liquiça, uns 40 kilómetros a oeste de Dili. Trata-se assim, mais do que apoiar individualmente três rádios, de propor uma colaboração concertada que permite entre as rádios trocas de técnicos, de programas e de métodos de trabalho.

A colaboração agora reforçada permite a formação dos técnicos das três rádios, a formação e a indemnização de correspondentes num conjunto de aldeias situadas nas zonas de difusão das rádios, o apoio em equipamento para os correspondentes, incluindo apoio de transportes, um suporte ao funcionamento dos comités de gestão das rádio, e o apoio à produção de programas para as comunidades. São igualmente propostos receptores solares em aldeias seleccionadas.

Os projectos de apoio às rádios comunitárias de Timor tiveram o apoio do Governo Português (CATTL) em 2000, da USAID (2002 e 2003), e da solidariedade dos Portugueses.

1.3.1. O resto da Ásia

As Filipinas dispõem de 35 estações de rádios locais animadas por grupos comunitários, associações confessionais e organismos educativos. O grupo de rádios locais Tambuli é formado por 6 pequenas estações comunitárias distribuídas por regiões isoladas, integrando as populações locais no processo político, económico e cultural .

Na Tailândia, a rádio de Chiangmai, região do Norte habitada por tribos da montanha, há bastantes anos que tem uma programação de divulgação de culturas de substituição, participando num programa governamental destinado a reduzir e a eliminar a prazo a cultura da dormideira.

O Reino de Tonga, beneficia do apoio da UNESCO na instalação de emissores de FM e de relais em ondas decamétricas na ilha mais setentrional, com o propósito de estabelecer uma cobertura satisfatória em todas as ilhas a um custo muito mais baixo do que se fossem utilizados emissores de ondas médias.

No Sri Lanka, a Rádio Mahaweli foi criada em 1979 por iniciativa da UNESCO e da Agência dinamarquesa internacional para a assistência a desenvolvimento (DANIDA) por ocasião do lançamento do projecto de construção duma barragem hidroeléctrica .

A Austrália tem o meio rádio repartido por três grandes sectores, o Australian Broadcasting Corporation, as rádios comerciais e as comunitárias da Public Radio. As rádios deste Third Sector são exploradas por associações sem fins lucrativos e servem áreas geográficas bem definidas ou segmentos da população com particulares necessidades. São auto-financiadas através de contribuições da comunidade .

Em 1993, dois radiodifusores australianos, Freda Glynn e Philip Batty, contribuíram para a fundação da Central Australian Aboriginal Media Association (CAAMA), um organismo aborígene que assegura um serviço de difusão contínua por satélite de emissões de televisão e de rádio aborígenes  numa vasta região da Austrália.

Aquele trabalho possibilitou a criação de mais de uma centena de associações aborígenes, que produzem semanalmente centenas de horas de rádio em nove línguas aborígenes, e também programas de televisão. O projecto mereceu o prémio McLuhan Teleglobe Canada o que mostra como foi reconhecido este trabalho de serviço às populações mais desfavorecidas.

Conclusão

O desenvolvimento da rádio comunitária tem tido um lugar muito particular no âmbito dos programas da UNESCO. Na verdade, o objectivo destes programas é divulgar os problemas sociais comunitários, como a pobreza ou a exclusão social; reforçar as minorias étnicas e acelerar o processo de democratização e os esforços de desenvolvimento.

A rádio comunitária representa a democratização dos meios de comunicação. Depois das independências africanas e do processo de democratização dos anos 90, um número não despiciendo de militantes do sector da comunicação considera a rádio comunitária como fundamental para a participação popular.

Existe um conjunto de preocupações de mobilização para interesses comuns em que, naturalmente, as ONG’s estão na primeira linha das vontades.

Na sua forma mais pura, a rádio comunitária é um meio de comunicação que apela ao sentido de comunidade do ser humano, envolvendo criadores, realizadores, animadores e artesãos na construção do meio de expressão da comunidade.

 

 

Reflexões vertidas para aulas por

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

 

Bibliografia:

Garitaonandía, C., 1991, “Radio”, in Diccionario de Ciencias y Técnicas de la comunicación, dir. de Ángel Benito, Ed. Paulinas – Madrid.

Melo, R., 1999, O Digital Audio Broadcasting e as implicações nos conteúdos radiofónicos, Tesis Doctoral, Universidad Pontificia de Salamanca, Salamanca.

Melo, R., 2001, A Rádio na Sociedade da Informação, ed. UFP, Porto.

Vários Autores, 1997, Rapport mondial sur la communication, UNESCO, Paris

 

O gosto pelas histórias da rádio

 

O gosto pelas histórias da rádio

Em 10 de maio de 1897, o governo britânico certificou Marconi para fazer a primeira transmissão rádio pelo Canal de Bristol. Da “invenção revolucionária” aos meios de comunicação de massa, passando pelo “instrumento de propaganda de guerra” afirma-se como sendo um meio de expressão pessoal.

Tudo isto implica o uso de tecnologia. O domínio da linguagem envolve sempre o uso da técnica, mas, no caso dos meios de comunicação, ela passou a Indústria e houve momentos em que mereceu a denominação de artística. Porém, agora que a Internet se afirma gradativamente como meio de comunicação de massa e individual, a antiga linguagem da rádio está a ser adotada pelos integrantes do novo meio. Portanto, a linguagem da rádio está a ser mantida enquanto as novas tecnologias vão sendo postas ao seu serviço. Esta linguagem “sonora” desenvolvida evoluiu em função da utilização de diferentes dispositivos que permitiram a sua criação.

Muitos investigadores estiveram envolvidos na descoberta da comunicação por ondas eletromagnéticas ao longo do século XIX. Oersted, Ampere, Faraday, Maxwell e Hertz lançam as bases sobre as quais assenta esta forma de comunicação. Mais tarde, Branly, Lodge e Popov realizaram as suas investigações, embora fosse Marconi quem ficaria com a patente para a radiocomunicação.

Édouard Branly, professor do Instituto Católico de Paris, em 1890, inventou o coesor, inovador na história da tecnologia da rádio. O coesor era um tubo de material isolante (geralmente vidro ou ebonite), contendo limalha metálica no seu interior e com um elétrodo (borne) em cada extremidade.

Figura 1 coesor

Era utilizado como detetor de sinais nos primórdios do rádio, sinais estes que, na época, eram produzidos por geradores de centelhas (faiscadores,"Spark Gaps") chamados "Bobinas de Ruhmkorff ou de Tesla”, acoplados a um dispositivo contendo duas esferas metálicas ocas, o "Ressoador de Hertz".

Figura 2 Esquema de coesor

Oliver Lodge melhorou o detetor coesor de ondas de rádio de Édouard Branly, acrescentando um "vibrador" que deslocava a limalha acumulada, restaurando assim a sensibilidade do aparelho.

Figura 3 coesor com vibrador


O recetor de rádio inventado por Popov foi exposto numa reunião do Departamento de Física da Sociedade Físico-Química Russa, no dia 7 de maio de 1895, enquanto o cientista italiano Guglielmo Marconi reivindicou a sua invenção apenas a 2 de junho de 1896.

Figura 4 Popov

Figura 5 Guglielmo Marconi

A amplificação do sinal ocorrerá graças ao “Diodo” de Ambrose Fleming.

 


Figura 6 “Diodo” de Ambrose Fleming

Ambrose Fleming pesquisou sobre válvulas termiónicas e inventou um díodo detetor para sinais de radiofrequência, o primeiro detetor eletrónico das ondas de rádio (1904), base para a invenção e melhoramento do primeiro equipamento de rádio utilizando dispositivos termiónicos.



Figura 6 Díodo termiónico

O "Audion" de Lee de Forest em 1906 permitiu estender a cobertura e melhorar a transmissão das ondas de rádio. Era um tubo de vácuo de amplificação ou deteção eletrónica. Foi o primeiro tríodo, consistindo de um tubo de vidro evacuado contendo três elétrodos: um filamento aquecido, uma grade e uma placa. Foi o primeiro dispositivo eletrónico amplamente utilizado que podia amplificar o som.

Figura 7 "Audion"

E será Fessenden quem fará a voz ser ouvida. Desenvolveu a ideia de sobrepor um sinal elétrico, oscilando nas frequências das ondas sonoras, sobre uma onda de rádio de frequência constante, de modo a modular a amplitude da onda de rádio na forma da onda sonora. (Este é o princípio de modulação de amplitude, ou AM.) O recetor dessa onda combinada separaria o sinal de modulação da onda portadora e reproduzia o som para o ouvinte. Em 23 de dezembro de 1900, na Ilha Cobb no Rio Potomac em Maryland, Fessenden conseguiu transmitir uma mensagem de voz breve e inteligível entre duas estações localizadas a cerca de 1 milha uma da outra.

Figura 8 Circuito recetor de rádio heteródino de Fessenden

Também em 1906 chega o recetor de rádio de cristal Dunwoody que será aperfeiçoado por Pickard com o detetor de silicone. (Díaz: 1990, p. 25)

Figura 9 recetor de rádio de cristal

É o tempo em que a rádio é dos cientistas e engenheiros. Logo os novos meios, mais baratos, mais rápidos e eficientes do que os usados ​​até então, atraíram a atenção de governos, empresários, banqueiros e até religiosos. Porém, também em outros setores menos abastados cresce um interesse especial e começam a ser criadas associações de rádios amadores que iniciam a fabricação de pequenos recetores e, em algumas ocasiões, também de grandes e caros transmissores. Graças a todos eles, a rádio espalhou-se pelo mundo.

Naqueles primeiros anos, a escuta é individualizada, pois era necessário usar fones de ouvido para ouvir as transmissões através daqueles recetores Galena que sintonizavam o sinal e eram alimentados por baterias. No final da década de 20 foram alcançadas importantes melhorias, fazendo com que os aparelhos - mais baratos também - pudessem ser ouvidos por meio de alto-falantes, fossem conectados à rede elétrica e o sistema de sintonia fosse simplificado para apenas um sintonizador. Essas modificações são elementos que permitem aumentar drasticamente o número de ouvintes, uma vez que a rádio poderia ser ouvida por mais de uma pessoa, tornando-se um dos elementos mais importantes da casa.

Na década de 1930, foram feitas melhorias nas instalações. A separação da área de emissão e os estúdios permitiram que as antenas ficassem em locais mais adequados para a emissão (principalmente em locais mais altos), melhorando a transmissão a uma distância maior. No final daquela década, a rádio saiu dos estúdios e passou a programa de rádio. Por outro lado, o diálogo multiplex – informativo - é introduzido por meio de múltiplas conexões entre correspondentes e a emissora. Eventos como a Crise de Munique tornarão esse procedimento comum, aumentando ainda mais o dinamismo e a velocidade de informação do meio. Como parte das melhorias deste palco, a montagem sonora é adicionada, o resultado da gravação elétrica, a mesa de mixagem, o aprimoramento dos microfones e o uso de efeitos sonoros.

Figura 10 Chamberlain na crise do acordp de Munique

A possibilidade de gravar sons de maior qualidade com o aparecimento do disco macio e a difusão do disco elétrico permite ultrapassar a realização total em direto. Até então, as mixagens eram feitas na frente de um único microfone, e qualquer intervenção simultânea dificultava especialmente a qualidade do produto. Em seguida, a pré-produção de programas ou partes deles começa a ser transmitida posteriormente. Graças a estas novidades, consegue-se um maior aperfeiçoamento técnico e complexidade, o que conduzirá à época áurea da criação da “imagem sonora” a partir de estímulos acústicos.

Ler obras literárias ou a atuação de músicos em estúdio já não é suficiente. Agora, são transmitidos shows e variedades ou peças, e surgem pesquisadores e criadores (Bertolt Brecht, Orson Welles, Heinrich Boll ou Friedrich Durremat) a moldar o que hoje pode ser entendido como linguagem de rádio.

                                                 

Figura 11 Bertold Brecht               

 


Figura 12 Orson Welles

Escrevem-se obras especialmente adaptadas ao meio, criando a "Rádio Literatura", na qual o teatro e o romance ocupam um lugar muito importante por várias décadas. Ainda que infelizmente para alguns, desde os anos setenta essa "Literatura" foi gradualmente desaparecendo da programação até à sua quase total extinção.

 

Figura 13 Heinrich Boll                        



  Figura 14 Friedrich Durremat

 

Mas esses anos trinta são "a era de ouro da rádio": o momento de máximo desenvolvimento da sua linguagem a partir de todos os elementos técnicos inventados até àquele momento. Na década seguinte, surgiu o “gravador”, aumentando ainda mais o avanço da “montagem” e da “linguagem sonora” e, sobretudo, permitindo a montagem linear fragmentada, economizando tempo e esforço na realização.

 

Figura 15 gravador de fio

Figura 16 gravador de fita

Já assisti a mudanças significativas da rádio desde a primeira vez que entrei num estúdio nos anos 40. De uma atividade em que quase toda a gente trabalhava sem qualquer remuneração até ao grande negócio dos nossos dias a movimentar milhões de dólares (o volume anual de negócios da rádio ultrapassa, anualmente, os 22 mil milhões de dólares) , tudo passou pela minha vida na rádio.

Algumas das mais recentes inovações incluíram o CD, o uso do computador, a automatização das emissões. Novas tecnologias despontaram e foram transformando este ramo de atividade.

Nas primeiras emissões a que assisti, feitas pelo meu pai, vi-o carregado de discos de 78 rpm e com uma caixa  de agulhas que ele ia substituindo à medida que mudava de disco. Embora ainda tenha trabalhado com alguns discos de 78 rpm, já entrei na rádio em plena era do vinil e da microgravação. Cresci a ouvir Júlio Silva, nos anos 50, a fazer na Ideal Rádio o seu programa A microgravação em marcha, em que apresentava os primeiros discos de 33 e de 45 rpm a surgirem no mercado.A qualidade do som é notavelmente desenvolvida. Altera o método de trabalho e toda a organização da estação, pois cada estúdio pode ter a sua própria unidade de gravação e reprodução, dando assim a cada programa mais opções criativas. Tal evolução exige o surgimento de novos departamentos, como os de cópia, trânsito de materiais e até a criação de outros centros de produção independentes da estação.

Figura 17 LP - longa duração

Como se não bastasse, surge o microgroove Meter Goldmark, ou seja, a microgravação com os discos EP e LP, que melhora tanto em qualidade quanto em duração em relação aos discos anteriores. O gravador e o microgroove fornecem maior controle sobre o tempo do programa. Agilidade, novo ritmo e menos seriedade acompanham a rádio. Isso torna-se evidente nos últimos anos com o desenvolvimento de uma nova programação e, portanto, com o desenvolvimento da “linguagem sonora” e também da “rádio”. A rádio industrializa-se e mantém a sua estrutura quase até os dias de hoje, em que o surgimento do sistema digital trouxe novas mudanças técnicas, humanas e de linguagem.

Figura 18 FM

Os anos cinquenta são a altura de melhorar a qualidade do som. O FM reaparece e em seu suporte surgem outras novidades: transístor, Hi-Fi (alta fidelidade) e St (estéreo). Especialmente adequado para rádios locais, o Frequency Modulated é implementado de forma desigual em todo o mundo nas duas décadas seguintes.

Figura 19 transístor

O transístor cria uma revolução tecnológica ao miniaturizar equipamentos transmissores e recetores, baixando custos e renovando a sua qualidade, tornando a rádio ainda mais popular e, com aparelhos portáteis, saindo de salas para ir a qualquer lugar da casa, ou fora dela, até serem introduzidos nos automóveis. Enquanto o Hi-Fi aumentava a qualidade do som especialmente em FM, o estéreo permitia que os criadores de rádios emulassem a sensação de espaço, não só a profundidade, mas também o movimento.

Outro instrumento facilitador da mobilidade da rádio foi o minigravador de cassette. Nos anos 60, o repórter libertou-se de fios e de operadores.

Figura 20 Gravador de cassetes Philips

Na década de oitenta, a rádio atingiu a sua maturidade tanto no campo tecnológico quanto na comunicação. A sua linguagem foi definida: palavra, música, efeitos sonoros, silêncio, controle de tempo e espaço, gerenciamento de ritmo. A recriação da realidade está em condições de atingir o grau máximo de verossimilhança e, apesar de tudo, os espaços destinados a evocar as imagens sonoras praticamente desaparecem da rádio.

A privatização da rádio abre caminho às rádios temáticas, seguindo o exemplo americano. A informação, desde o início da rádio, protagonista por excelência, tem, em Portugal, uma rádio “só notícias”, a TSF. A Onda Media esvai-se no tempo. A fórmula da rádio musical é o outro grande protagonista da Frequência Modulada. Mas nas ondas da rádio quem manda é a publicidade, sem ela não há subsistência (exceto as estatais, claro). Por isso as rádios locais têm uma sobrevivência problemática o que tem levado muitas à desistência e venda a empresas centralizadas em Lisboa.

Figura 21 Centralização

 

Desde esses anos e até ao final do século 20, parece que a rádio estagna e até perde ouvintes.

Além disso, desde a década de 1950 outro meio - a televisão – impõe a sua tecnologia, linguagem, programas, produtores, e conquista o público. Não há escolha a não ser renovar ou morrer! Mais uma vez, há que alterar e melhorar os recursos técnicos. Desponta a digitalização.

Muita gente desconhece, ou esquece, que o sistema binário foi criado por Leibnitz criou em 1679.  Esteve ali a origem digital de que hoje desfrutamos em várias atividades. Com a introdução da tecnologia da informação na indústria audiovisual, ocorreu a última revolução tecnológica do século 20: a digitalização. A digitalização do som conduziu a um novo desenvolvimento no campo dos sistemas de gravação, processamento e reprodução, juntamente com os sistemas de transmissão. É possível resolver, tratar e simplificar muito trabalho dos procedimentos técnicos anteriores como o gravador, a mesa de mixagem e até mesmo os processadores e geradores de sinais. Isso levou ao desaparecimento quase total dos estúdios de rádio. Isto é, os estúdios onde trabalhei durante décadas desapareceram para dar lugar a auto-operados de várias opções. Foram substituídos pelo computador e seus recursos para edição e processamento de sinais sonoros. Assim, a edição de som hoje eliminou totalmente uma rotina de trabalho, como a edição em fita magnética, simplificando-a de tal forma que algumas funções tradicionalmente desempenhadas por operadores de som agora podem ser realizadas diretamente por jornalistas e outros profissionais. O CD que substituiu o vinil, está agora a ser trocado pelo disco rígido.

A dimensão da estação e respetivo quadro de pessoal vai sendo reduzido.  Surgem profissionais multifunções, capazes de desempenhar diversos trabalhos, todos eles relacionados com o domínio do som, da informação ou da criação. Novas técnicas agora retiradas da televisão ou do cinema, como a pós-produção de som, são utilizadas na rádio, melhorando a qualidade dos seus programas graças à facilidade de montagem não linear que os computadores permitem. Mais uma vez, a técnica de execução pode ser variada e o ritmo é melhor administrado. O áudio pode ser manipulado criando novas soluções sonoras. Com isso, a agilidade e o controle da mensagem são recuperados.

Os computadores estão, portanto, a tornar a rádio mais ágil, dinâmica e versátil. Permitem a automação da transmissão por longos períodos de tempo e com alta qualidade. Possibilitam o armazenamento e organização dos ficheiros de som em menos espaço e, consequentemente, o seu acesso é mais rápido e eficiente (a peça sonora pode vir por rede telemática do próprio produtor ou terminal do programador). E, claro, o acesso à informação é quase instantâneo, tanto na preparação do programa quanto na transmissão.

Mas não só a revolução digital ocorreu no campo das baixas frequências (estúdio de som): também na parte da radiodifusão (alta frequência) a revolução digital está a começar (tropeções, zig-zags, correções e… desistências).

Quem, como eu, trabalhou com fitas magnéticas, lamenta não ter disposto das ferramentas atuais para ter tido a vida mais facilitada.

A verdade é que a rádio tem acompanhado as evoluções tecnológicas. O multiplex[1], a miniaturização dos recetores, a diversificação das fontes de energia, a modulação de frequência e a melhoria substancial do conforto de escuta. A atualização tecnológica transformou a rádio num meio de grande mobilidade, de maior proximidade do ouvinte e de maior economia para o consumidor. O transístor foi uma invenção determinante para isso.

O equipamento digital dos estúdios, o som estereofónico e o Radio Data System, RDS, transforma a escuta radiofónica dos anos 90.

A RDP participou nos grupos técnicos da UER, encarregados da definição e do desenvolvimento do RDS, tornando-se assim uma das primeiras estações europeias a introduzi-lo nas suas redes de emissores (em setembro de 1988 na ANTENA 1).

 Rádio Digital

Na minha tese de doutoramento, no ano 2000, afirmava

“Dentro do crescimento em importância da rádio, não custa prever que, com o advento do Digital Audio Broadcasting (DAB), se venha a verificar nos próximos 10 a 15 anos um deslocamento da audiência do FM para o DAB, à semelhança do que ocorreu ao longo da década de 70 com a preferência progressiva do FM em relação à AM.”

A primeira referência sobre o estudo da possibilidade de emissões digitais localiza-se no Reino Unido. Em meados dos anos 70, o gabinete de pesquisa de engenharia da BBC desencadeou uma investigação sobre a possibilidade de digitalização da rádio através de um sinal NICAM stereo. Já aí foi constatado que a receção por meio de uma antena direcional em postos fixos era relativamente boa. O problema residia nas interferências que afetavam o sinal digital quando o recetor se deslocava de automóvel. A conclusão a que os engenheiros chegaram foi que um tão "simples" sinal digital como o do sistema NICAM, só podia ser usado em relação a recetores fixos dotados de antenas direcionais (como é o caso do som NICAM TV).

A rádio digital surge nos Estados Unidos em 1 de agosto de 1986. Foi a emissora WGBH-FM de Boston que, naquela data, começou a emitir a programação em formato PCM (Pulse Code Modulation) utilizando como portadorauma frequência de televisão da estação WGBX-TV da mesma rede e em simultâneo com as emissões analógicas de rádio. Embora naquele momento não tivesse consciência do grande passo que estava a ser dado, aquele formato foi utilizado durante anos para codificar digitalmente a banda sonora dos sinais de televisão. Ficou logo aqui patente o grande defeito dos sistemas digitais desenvolvidos nos anos oitenta: ocupavam um espaço excessivo num espectro radioelétrico já saturado

Em 1 de agosto de 1986, o primeiro experimento de transmissão de rádio digital foi realizado por uma estação de rádio e televisão. A partir desse momento, entra em cena o DAR (Digital Audio Radio), também conhecido como radiodifusão digital ou DAB. (Pohlmann: 2002). As primeiras transmissões digitais na Espanha começaram em abril de 1998 em Madrid, Barcelona e Valência. Atualmente existem serviços no País Basco, Catalunha e Galiza. A rádio digital transmite um sinal de rádio AM ou FM em formato digital, o que evita problemas de interferência e permite uma qualidade comparável ao disco compacto (CD). Além do áudio, essa forma de transmissão possibilita a inclusão de outros dados auxiliares como gráficos, texto e vídeo.

O DAB, por seu turno, começou a ser desenvolvido sobretudo, em França, pelo Centre Commun d’Études de Télédiffusion et Télécommunications (CCETT) e, na Alemanha, no Institut für Rundfunktechnik (IRT) no ano de 1981. Após a reunião interministerial de Estocolmo, em 1986.

O marco seguinte situa-se por alturas da realização da WARC (World Administrative Radio Conference), em 1988. Por iniciativa da UER teve lugar a primeira demonstração do DAB para equipamentos recetores móveis.

1989 conhece, de novo em Genebra, uma outra experiência de emissão e receção de DAB, por alturas do First World Electronic Media Symposium ITU-COM (89).

Os anos de 1993 e 94 refletiram nos radiodifusores e nos fabricantes de equipamento o pessimismo gerado pela crise económica que se tinha instalado no início da década de 90 (aliado ao facto de a Alemanha ter tido de fazer face à grande prioridade da reunificação do país).

O 10º Meeting of WorldDAB (Module 3) tinha lugar em Genebra, a 9 de junho de 1998, sendo aproveitado para a realização de demonstrações públicas de DAB. O mesmo aconteceu em Lisboa por ocasião da Expo98.

Desde o início desta corrida, instalou-se um processo de rejeição, reforçado pelos Estados Unidos não aceitarem a solução europeia. Os principais fabricantes de dispositivos não chegaram a acordo sobre os tipos de descodificadores, e os radiodifusores privados viam os seus interesses serem afetados com as alterações que o DAB implicava.

Na verdade, a rádio digitalizada que passa ao lado de toda esta polémica, muito mais barata em custos de produção, estrutura comercial e que também tem milhões de ouvintes em potencial está na Internet.

Consultei o site https://www.internetworldstats.com/news.htm#radiotv

Tomei consciência da grandeza da situação. Assim, a TuneIn fornece aos ouvintes acesso a mais de 100.000 estações de rádio reais e mais de quatro milhões de podcasts em streaming de todos os continentes.

O Streema é um sintonizador de rádio online gratuito. Dá para ouvir mais de 70.000 estações de rádio e assistir a mais de 10.000 estações de TV.

A https://www.radioguide.fm/, fornece links para estações de rádio da Internet de todo o mundo.

A https://www.accuradio.com/ disponibiliza mais de mil estações de rádio grátis na Internet.

Esta realidade não passou pelo imaginário de quem, como eu, lidou sempre com limites de espaço, de tempo e de meios tecnológicos.


Reflexões vertidas para aulas por
Rui de Melo
Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto
Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa


[1] Multiplex é a combinação num bloco de frequências de vários serviços de programas e até de serviços auxiliares.

HOJE HÁ COISAS

A linguagem sedutora da rádio

A linguagem sedutora da rádio Cristina Romo A rádio é o meio sonoro por excelência. É, seguindo McLuhan, a extensão da boca, da laring...

SUGESTÃO