Carlos Silva – a rádio sempre gostou dele

 

 Carlos Silva – a rádio sempre gostou dele

Carlos Pereira da Silva despediu-se esta semana dos ouvintes, aos 89 anos. No final dos anos 40 apareceu no Portuense Rádio Clube, ao lado de muita gente que esteve na génese da consciência de que a rádio se faz com ouvintes.
Depressa se destacou e foi convidado a integrar a Rádio Porto, com sede na Rua dos Clérigos.
Uma estação que se caracterizava pelo seu conteúdo de música clássica e de sentido de serviço cultural. Carlos Silva lidou como poucos com esta circunstância e participou activamente numa interessante divulgação dos clássicos num público despreocupado (desconhecedor) em relação à música elaborada.
Em 1953, as várias estações radiofónicas do Porto juntaram-se num mesmo edifício e numa mesma sociedade, os Emissores do Norte Reunidos. O Portuense Rádio Clube tinha sido desactivado, a rádio dos espectáculos ao vivo desmotivou-se e criou-se um certo marasmo (disco/anúncio).
Carlos Silva foi dos primeiros a manifestar o seu inconformismo e, na sequência de uma experiência anterior fracassada, propôs o alargamento das emissões para além da meia-noite. Naquela época, partia-se do princípio que, a essa hora, estava tudo a dormir e não havia ouvintes. A empresa de então, ENR, decidiu aceitar o desafio de Carlos Silva mas teria ele que arcar com todas as despesas.
Nos anos cinquenta aparecia o primeiro programa depois da meia-noite, o “Última Hora” que, inicialmente, ia até à uma hora “da madrugada”. Surgia um estilo único de fazer rádio, com música antecipada ao lançamento no mercado. Os principais fornecedores eram Arnaldo Trindade, a Vadeca e a Rádio Triunfo que faziam questão de oferecer ao Carlos Silva os sucessos em disco antes de serem lançados no mercado (eram “as novidades”).
A publicidade usava um texto literário de extremo cuidado e bom gosto da autoria de António Leite que, mais tarde, se dedicaria à publicidade. Nunca houve mais do que um anúncio de disco para disco o que valorizava a publicidade e criava aceitação por parte do ouvinte.
Com o surgir da RTP no Monte da virgem, Carlos Silva foi dos primeiros apresentadores de programas com conjuntos musicais do Porto: Pedro Osório, Walther Beherend e vários outros.
Foi escolhido por António Mafra para apresentar os espetáculos do grupo numa digressão à América do Norte.
O programa “Última Hora” durou até 1976, altura em que os ENR foram integrados na RDP hoje, por sua vez, absorvida pela RTP.
O ambiente radiofónico tinha sofrido alterações radicais em todos os aspetos. Carlos Silva entendeu remeter-se a uma atividade discreta, nos bastidores da RDP. A confusão era muita, o oportunismo proliferava e o profissionalismo ia alterando os valores e os objetivos à medida dos circunstancialismos das conjunturas.
Contactei com vários colegas do jornalismo escrito e senti-me limitado na capacidade de esclarecer a importância de um profissional dos anos 50/60, o ato destemido de levar a rádio para além da meia-noite, a inovação que representou divulgar música em simultâneo com os mercados londrino ou parisiense a sacudidela que representou dar roupagem literária à publicidade.
Sei que a Internet pulverizou todos estes momentos. A memória da comunicação social é cada vez mais curta embora seja cada vez mais vasta. Talvez seja por isso que me sinta obrigado a contar histórias à volta da rádio que vivi como ouvinte e como profissional. Olho à minha volta e parece que só eu posso funcionar como memória viva. Por enquanto…    
Rui de Melo
30 de Outubro de 2014

HOJE HÁ COISAS

A linguagem sedutora da rádio

A linguagem sedutora da rádio Cristina Romo A rádio é o meio sonoro por excelência. É, seguindo McLuhan, a extensão da boca, da laring...

SUGESTÃO