A voz e o estilo radiofónico

A voz e o estilo radiofónico

“A Rádio é uma arte para ouvir, mas ouvir, neste caso, não é apenas um dos cinco sentidos do organismo humano.” (MINKOV; 1982:11),

 


A voz e o estilo radiofónico

Reflexões vertidas para aulas por

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

 

 

São elementos essenciais da rádio o som, a propriedade acústica e o áudio na perceção das transmissões radiofónicas.

“A Rádio é uma arte para ouvir, mas ouvir, neste caso, não é apenas um dos cinco sentidos do organismo humano.” (MINKOV; 1982:11),

“Trata-se (. . .) de uma relação em que a presença do corpo não entra, em que todo o trabalho é feito pela voz” (CLÉMENT, 1975:183).

“É um fenómeno vibratório capaz de provocar uma sensação auditiva originada pela vibração (...) produzindo ondas que se propagam no espaço tridimensional, transmitindo por sua vez a vibração para os demais corpos que encontram pelo caminho” (MEDITSCH;1996:127).

Quando a construção de imagens por parte dos ouvintes se dá no interior da mente do ouvinte, são de um carácter extremamente rico, comportando em si três dimensões: a táctil, a olfactiva e auditiva, sendo “ (...) a selectividade e a versatilidade proporcionadas pela sua condição invisível que garantem a eficiência do discurso do rádio” (MEDITSCH,1997:13).

A voz conta com três traços vocais o timbre, o tom e ritmo que permitem trabalhar os enunciados de duas formas diferentes que caracterizam "estilos de comunicação vocal"

A "expressividade" da fala fornece indicações suplementares [a "distância e a distanciação" são as equivalentes sonoras de processos tipográficos tais como as aspas ou o itálico (...)] - a escolha das entoações modifica eventualmente o sentido do enunciado (...)".

Traços estes que estão para além das características individuais e que têm como pressuposto que a voz participa na significação da mensagem (LAVOINNE;1975:l).

Segundo Emma Rodero entende-se por tom de voz a altura ou elevação da voz, que resulta da frequência das vibrações das cordas vocais.

Se estes músculos vibram num número elevado de vezes por segundo a sua tensão aumenta, a altura da voz é maior e a voz eleva-se.

Ao contrário, quanto menor for a frequência, menos vibrações por segundo são emitidas e a tensão das cordas vocais diminui, a voz desce de tom e logo, torna-se mais aguda.

O tom mede-se pela frequência vibratória das cordas vocais, e identifica-se perante os demais como super-egos sociais, tornando a comunicação radiofónica num factor de concordância social (LAVOINNE; 1975:3).

A frequência diz respeito ao número de vibrações emitidas por segundo, bem como de ciclos vibratórios por segundo e é medida em hertz (ANTÓN,2001:2).

O timbre, por seu lado, é o que faz a distinção entre um instrumento musical e a voz humana entre milhões. O fenómeno desenrola-se desta forma: quando um corpo vibra propaga ondas sonoras com uma determinada frequência e põem em movimentação uma série de outras ondas sonoras com frequências diversas.

O timbre de cada pessoa é produto da junção entre a frequência básica e uma multiplicidade de harmónicos produzidos (MEDITSCH, 1996:129).

O timbre, o tom, a intensidade e a duração são um produto resultante das relações sociais e pessoais

A questão do género é determinante pois o tom é um atributo vocal intimamente ligado ao sexo do indivíduo.

A voz é um elemento decisivo no processo de personalização e de "vedetização“ da informação, introduzindo uma dimensão de intimidade e de liberdade na comunicação.

As relações sociais, e neste caso radiofónicas, ficam condicionadas, pois é a voz que transmite a informação difundida pela rádio e que estabelece a ligação entre o ouvinte, sendo determinante quando estes se fidelizam a esta ou outra emissora radiofónica.

A percepção da importância da voz e o discurso do rádio jornalista

As vozes femininas graves são associadas a perfis psicológicos e físicos negativos, uma mulher com voz de tipo grave é sempre a "feia", a "má" do filme.

No entanto, os tons mais apropriados às mulheres serão os tons médios-graves.

A percepção da importância da voz e o discurso do rádio jornalista abordada pelos profissionais e a criação de um estilo próprio ou de uma assinatura auditiva torna-se importante para demarcar fronteiras e estilos tanto entre os rádio jornalistas, bem como entre as várias estações de rádio.

Mais do que criar uma só personagem, o jornalista cria um vasto rol de imagens vocais que terão de ser credíveis. Um profissional da rádio tem que se aproximar do ouvinte.

Ao comunicar, o rádio jornalista necessita ter em consideração que, apesar de ser o ouvinte a procurar uma determinada estação cabe-lhe a ele cativar o auditório, utilizando não só os atributos vocais, mas também as suas qualidades enquanto comunicador.

A credibilidade não é procurada só por parte dos que fazem informação, mas simultaneamente por aqueles que animam os programas das emissoras.

Porém, a sua relevância tem vindo a mudar ao longo das últimas décadas, e por isso, interessa perceber o lugar dado à importância da voz na hierarquia dos critérios de selecção das vozes que ouvimos nas emissoras.

Um rádio jornalista não se deve só preocupar com o domínio sobre a locução

O jornal radiofónico é um elemento especializado, não podendo ser comparado ao jornal impresso ou ao jornal televisivo,

“(...)ele não vai pronto para o estúdio. É um jornal aberto, não se limita à divulgação dos factos ocorridos”, (BARBEIRO,2001:12)  daí que construa uma ponte imediata que anula as distâncias entre os jornalistas e ouvintes.

A voz cria o tom da informação, “ (...) os caracteres das vozes dos locutores equivalem a caracteres tipográficos: há vozes em itálico, em romano, em garamond, há vozes em maiúsculas - é com elas que se fazem os grandes títulos.

Linguagem radiofónica - uma forma de expressão autónoma da escrita

Há vozes finas e vozes grossas, vozes legíveis e vozes angulosas e cheias de rodriguinhos. (...) Há vozes anódinas, discretas e insípidas" (SCHAEFFER, in Lavoinne, 1975:169).

Durante muitos anos a rádio foi desprezada pelos jornalistas e intelectuais por ser considerada incompatível com o pensamento autêntico.

Esta representa a oralidade e desde o princípio que lhe foi difícil criar um estilo jornalístico que lhe permitisse uma distinção e autonomização do discurso da imprensa escrita.

Os indivíduos são identificáveis através do que dizem

Esta será uma afirmação sustentada por Roland Barthes, na obra O Grão da Voz, onde refere a componente psicológica inseparável da voz, indo mais longe ao localizar na fala a presença de uma variável sócio-linguística.

Os indivíduos são assim identificáveis através do que dizem, mas mais do que isso, expõem-se consoante se expressam e como a sua voz é levada até aos com quem interage.

Uma única palavra o pode “denunciar”, revelando imediatamente a sua posição social e até a sua experiência de vida ( BARTHÉS,1981:67).

Na rádio a voz é a matéria-prima dos seus profissionais e o veículo facilitador da identificação da estação de rádio

Esta mesma identificação estabelece o processo comunicativo, sinaliza os diferentes momentos da programação, distingue claramente o que é humor, do que é informação, do que é entretenimento, demarca fronteiras que se desejam vincadas e que estabeleçam com os ouvintes uma sinalética, criando

"(...)uma série de processos que tendem a transpor para uma simbologia sonora os símbolos gráficos a que nos habituaram" (SCHAEFFER in LAVOINNE, 1970:2).

As vozes chamam a atenção dos ouvintes

Sinalizam as mudanças de assunto e a procedência das notícias, informam sobre a identidade e o contexto.

Até o som estabelece uma hierarquia das mesmas vozes intervenientes no espaço informativo quando nos detemos na qualidade do mesmo:

"(...) na base o entrevistado, com postura amadora; acima dele o repórter, treinado com o microfone; no ápice o apresentador no estúdio, com as melhores condições de emissão. O estúdio insonorizado cria distanciamento em relação aos acontecimentos noticiados" (MEDITSCH, 1997:6).

Quatro variáveis da fala: inflexão da voz, sequência, ritmo e cadência das palavras.

Isto origina uma série de estilos passíveis de identificação de variados conteúdos e formas programáticas.

Sendo que a informação radiofónica se caracteriza por uma estreita adequação ao público e que traz ao de cima o carácter instantâneo da comunicação, por uma dupla dimensão factual e subjectiva (papel da voz), mais aberta ao imaginário que ao analítico (LAVOINNE,1975:68).

De qualquer forma a velha dicotomia geradora de grande polémica mantém-se mesmo quando a Rádio já detêm uma identidade e estilo jornalístico próprio, refiro-me ao discurso improvisado e ao discurso escrito e planeado.

O melhor improviso é o escrito

O improviso, segundo Eduardo Meditsch e tendo por referência Erving Goffman, faz parte de três distinções de produção da fala na sociedade contemporânea letrada e que compõem no seu todo a fala na rádio:

a recitação (de um texto previamente escrito);

a leitura em voz alta de textos não memorizados e a fala de improviso ou instantânea e que é a composição ou codificação simultânea do texto sob a exigência de uma resposta à audiência numa situação corrente.

A voz é o veículo de um trabalho

Na busca incessante do tom coloquial, o jornalista muitas vezes cai no erro de confiar excessivamente no seu poder oratório e até de memória ao arriscar ir para o ar apenas com umas folhas que lhe indicam os tópicos a serem abordados naquela emissão.

Se algo corre mal origina o ruído na comunicação e o ouvinte repara, sendo que para isso não é necessário um ouvido muito treinado.

Essa quebra faz com que o ouvinte se distraia e que até mude de emissora.

Nesta etapa podemos referir que a voz é apenas o veículo de um trabalho de edição mais ou menos bem elaborado, contendo maior ou menor dose de profissionalismo e de experiência.

As estações de rádio antes de demarcarem o estilo dos profissionais, marcam vincadamente o seu público-alvo e o seu carácter.

Público este que vai definir a produção da mensagem, tanto na sua forma como no seu conteúdo.

Consoante o produto que vendem, as emissoras radiofónicas procuram um determinado estilo de jornalistas, no entanto, tal como um actor, um rádio jornalista e um animador, apesar de fronteiras diferentes, devem ter capacidade para criarem personagens vocais o mais apropriadas possíveis ao seu auditório.

Actualmente, a preocupação dos profissionais recai não só nas capacidades intrínsecas da voz, mas também no profissional como um todo, dando grande destaque às suas capacidades enquanto comunicador e se é o comunicador adequado para o produto que se pretende vender ou a imagem que se quer passar.

 

A linguagem jornalística: a expectativa do destinatário

 A linguagem jornalística

Reflexões vertidas para aulas por

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

 

Para Núñez Ladevéze, ser jornalista é adestrar-se no conhecimento prático de um ofício.
Para conseguir isto, o jornalista vale-se de regras práticas, não normativas, que implicitamente se adquirem no decurso da profissão.

Três planos na actividade jornalística.
O plano contextual
Plano textual
Plano estilístico

O plano contextual
O jornalista actua como intérprete da actualidade e elabora uma série de juízos ou decisões que têm por objecto identificar os acontecimentos susceptíveis de ser notícia.
Esta actividade compreende vários tipos de selecção pois é preciso identificar as notícias, seleccionar os dados e comparar umas notícias com outras.

O plano textual
Os dados contidos numa notícia têm de ser tratados de acordo com as suas linhas textuais;
o jornalista organiza o acontecer no texto informativo.
Uma notícia é um tipo de texto que se distingue de outras espécies de textos;
as notícias têm títulos, parágrafos de entrada e uma ordem estabelecida dos dados.
A palavra “texto” entende-se num sentido amplo já que aplica estas mesmas regras a um texto audiovisual ou escrito pois as notícias são uma complexa unidade intertextual de informação em que se organiza a relação entre diferentes textos informativos.

O plano estilístico
São as propriedades expressivas específicas que distinguem um texto informativo de outros tipos de textos.
Também compreende o estilo particular dos diferentes géneros jornalísticos.
A função do jornalista na nossa sociedade é defendida por Nuñez Ladevéze pela necessidade dos cidadãos de saberem o que acontece ou o que pode acontecer e o jornalista é o profissional intermediário que se encarrega de elaborar a informação.
O jornalismo de qualidade guia-se pelo interesse do público.

O contexto jornalístico
O jornalista é um intérprete da actualidade e segue certas regras para a selecção, avaliação e apresentação das notícias, por isso, não estranhamos que a maioria dos acontecimentos destacados sejam os mesmos em todos os meios de comunicação.
Aceitamos passivamente a informação que nos oferece um jornal ou um telejornal sem dar conta de que se trata de um produto textual muito complexo, criado por alguém através da aplicação de certas regras fixas.

O jornalista é um intérprete do contexto, da actualidade

Como intérprete da actualidade ou informador, pode ajustar-se a diferentes graus ou níveis interpretativos (seguindo H. Borrat e L. Gomis):
textos informativos, textos interpretativos e textos de opinião.
Esta variedade de possibilidades consegue que, além de serem considerados meios de informação, sejam também meios de formação de opinião.

Dois tipos de regras
Há dois tipos de regras profissionais que os jornalistas aplicam na elaboração dos seus produtos, são as regras técnicas e as regras deontológicas.
As regras técnicas são as normas textuais que se aplicam para que o produto sirva a função social de informar.

As regras deontológicas são contextuais e referem-se aos critérios de valor a que tem de desempenhar a função social de informar.
O consumidor da informação deposita a sua confiança no informador que assume o compromisso de fazer as coisas segundo critérios profissionais e aplicar certas regras ao elaborar a informação.
O cumprimento das regras deontológicas é graduável.
A veracidade da informação não põe em jogo a sua verdade, sem que a notícia seja confirmada; por outro lado, a imparcialidade a que o jornalista também é obrigado é uma aspiração que admite graus.

Por exemplo, a tarefa de informar tem de ser neutral, mas a informação não é neutral.
Assim se entende a função dos gabinetes de imprensa de algumas empresas ou instituições;
a sua missão não consiste em servir os interesses do público, mas os da instituição a que pertence.
Embora utilize as regras técnicas de produção jornalística, a sua missão é uma missão subsidiária do jornalista a quem fornece (ou tenta ocultar) a informação.

Géneros jornalísticos

Núñez Ladevéze define o jornalista como um profissional especializado na interpretação do acontecer, cujo ofício consiste em distinguir e relacionar os factos que têm importância para a vida colectiva.
Há outros profissionais dedicados a interpretar a realidade social (os políticos e os sociólogos), mas o jornalista tem o seu modo característico de fazer e relacionar, tem de se habituar a identificar as subtilezas e matizes que o ajudem a relacionar acontecimentos passados com os presentes e prever o curso dos acontecimentos no futuro.

A função informativa do jornalista
Para seleccionar uma notícia, o jornalista tem que interpretar segundo os critérios de interesse do público, interesse psicológico, o ambiente local, a periodização temporal e o interesse temático.
A função informativa do jornalista separa-se nitidamente das suas opiniões pessoais.
Esta ideia base do jornalismo tem de ser ponderada, já que não existe função informativa que não inclua algum tipo de apreciação subjectiva de critério interpretativo (o próprio facto de seleccionar uma notícia e não outra é um tipo de interpretação).

A objectividade do jornalista assenta nas regras técnicas que exige o conhecimento da sua profissão para seleccionar e apresentar a informação.
O jornalismo adapta-se socialmente aos interesses dos seus destinatários não por interesses particulares (excepção feita aos gabinetes de imprensa).

A prática profissional salienta três tipos de géneros jornalísticos

1) de informação, que dá lugar ao jornalismo informativo que tem por objecto a informação de actualidade.
2) de interpretação, jornalismo interpretativo que é um modo de aprofundar a interpretação, relacionando a informação da actualidade com o seu contexto temporal e espacial
3) e de opinião, jornalismo de opinião em que a reunião de dados é subsidiária, o primordial é a tomada de partido do jornalista e a atitude apelativa .

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