A voz informativa radiogénica

A voz informativa radiogénica

Posto que a rádio se baseia só no som, e a voz é o principal instrumento de trabalho dos jornalistas radiofónicos, é imprescindível exigir determinadas qualidades vocais aos locutores. Portanto, o nosso objetivo será averiguar quais são as características que deve reunir a voz radiofónica informativa para se transformar em que denominaremos uma voz radiogénica.

1.     A voz informativa radiogénica[1]

Emma Rodero[2]

 

Tradução e adaptação

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

 

“Quantos há que se cegam em não ver que a sua voz não é apta para locutor e atribuem sempre a qualquer tipo de circunstâncias, menos à verdadeira, o motivo do seu fracasso! E é que o locutor, ao não possuir a voz autenticamente radiofónica, não o pode ser embora se possuam todas as demais qualidades. Diferentemente do ator, a voz é a sua principal arma de combate, e carente dela fica indefeso para o seu labor”.[3]

Posto que a rádio se baseia só no som, e a voz é o principal instrumento de trabalho dos jornalistas radiofónicos, é imprescindível exigir determinadas qualidades vocais aos locutores. Portanto, o nosso objetivo será averiguar quais são as características que deve reunir a voz radiofónica informativa para se transformar em que denominaremos uma voz radiogénica.

A arte de empregar a voz de maneira correta e agradável denomina-se ortofonia dentro da qual demarcamos a voz radiogénica como a mais adequada para a rádio, não só numa vertente puramente estética, baseada no próprio instrumento vocal, mas, além disso, num ponto de vista formal. A voz radiogénica é assim a mais agradável para os ouvintes porque é aquela que explora todos os seus recursos expressivos em função do conteúdo do discurso informativo. Portanto, além de bela, é volúvel. Para caracterizar esta voz informativa radiogénica atenderemos ao critério vocal.

A voz encontra-se condicionada pelas suas próprias qualidades acústicas, mas também pelas suas capacidades vocais. A uma voz radiogénica exige-se, portanto, não só umas características agradáveis, mas também a sua adaptabilidade à mensagem informativa. Isso supõe que deve reconhecer os significados atribuídos às qualidades acústicas da voz para gerar as impressões e suscitar as imagens que o locutor deseja.

1. Conforme a altura tonal[4]

Não se pode afirmar taxativamente que exista um registo de voz adequado para a voz informativa radiogénica. Posto que as mensagens são variadas e múltiplos os conteúdos, será necessário selecionar a altura da voz de acordo com a semântica. Então, o adequado será ajustar os significados dos diferentes tons vocais ao conteúdo do discurso informativo. Estas associações de tons agudos e graves com determinadas sensações, impressões ou traços físicos e psíquicos do locutor apresentam uma raíz puramente psicológica, partilhada, isso sim, pela maioria dos ouvintes. Por isso, é imprescindível para o locutor descobrir estas correspondências.

O tom agudo de uma voz mantém a altura média na gama mais alta. As vozes e registos agudos associam-se, em geral, a estados de ânimo positivos: de euforia, jovialidade, alegria e, portanto, com situações de excitação. Trata-se de uma correspondência que se pode basear na própria experiência vital. Quando qualquer sujeito recebe uma grata notícia, as suas expressões elevam-se às notas mais altas. Mas, se a voz é muito aguda e se expõe durante prolongado tempo acabará por produzir esgotamento a quem a ouve.

Por outro lado, os tons agudos percebem-se com absoluta nitidez. Num ponto de vista acústico, são mais inteligíveis. Assim, estas vozes parecem claras e transparentes. De facto, a teoria lumínica de Amorós[5] parece basear-se nestes dados para associar as altas oitavas dos sons com as cores esbranquiçadas ou claras.

Mas, apesar da clareza destas vozes, as agudas parecem mais distantes, a sua presença costuma ser menor. De facto, quando um indivíduo se afasta, a voz que se percebe está sustentada nas notas altas. Por isso, as vozes e registos agudos são mais distantes.

Além dessas sensações psicológicas, uma voz alta transmite menos credibilidade e atratividade e um grau mais elevado de imaturidade e insegurança. Como comprovou Rodríguez Bravo[6]: “quanto mais um locutor sobe o seu tom modulador para os tons agudos menos atrativa e mais imatura é a imagem de si mesmo que está a construir’". Esta circunstância pode acontecer porque estes são os traços pessoais associados com o mundo infantil e as crianças são quem possui as vozes mais agudas.

Finalmente, por estas razões, as vozes e os registos agudos são mais adequados para programas radiofónicos alegres e distendidos, diurnos e dirigidos fundamentalmente ao entretenimento. Não seria, portanto, o tipo de voz o registo mais apropriado para os programas noticiários radiofónicos.

O tom grave é o que fica retido nas chaves mais baixas da escala tonal. Em princípio, as notas graves associam-se a estados psicológicos negativos: tristeza, depressão, melancolia e, portanto, a situações de maior tranquilidade e sossego. Ao contrário do que acontece com os tons agudos, quando qualquer sujeito atravessa momentos difíceis na sua vida, a sua expressão arrasta-se nos níveis graves. Daí, esta correspondência. Porém, como se associa a estados de maior repouso, a exposição prolongada não produz esgotamento, como na aguda, mas cansa pela sua monotonia. Como se costuma dizer, o ouvinte adormece.

O maior problema com que se confrontam as vozes e os registos graves é a sua obscuridade. Percebem-se como apagadas e opacas, sem clareza. De facto, se a voz é muito grave e se acompanha, além disso, de uma quebra de intensidade e duração, a expressão pode chegar a ser ininteligível, com o que o ouvinte perde o contato com uma parte da mensagem. A voz tende a desaparecer. Por esta razão, e conforme a teoria lumínica de Amorós, as oitavas baixas relacionam com as cores derivadas do negro.

No seu benefício, as vozes graves apresentam uma maior sensação psicológica de proximidade. Parecem com mais presença. De facto, em qualquer comunicação interpessoal com distância mínima, percebem-se com toda a magnitude as notas graves dos dois indivíduos; razão pela qual se transforma no registo que se emprega em situações íntimas e pessoais.

Esta experiência psicológica que atribui a maior presença dos graves e o afastamento das agudas poderia explicar-se, além do fator anterior, ante a correspondência entre as vozes graves e o maior volume corporal. Neste sentido, Knapp[7] realizou um estudo cujo objetivo era a associação de uma voz a um determinado peso e altura do falante. A conclusão que obteve foi que a uma voz grave corresponde uma forte presença física, um maior tamanho e peso do falante.

Ao contrário do que sucede com as agudas, as vozes graves transmitem maior credibilidade, maturidade e segurança. A correspondência neste caso devia estabelecer-se com a voz de um homem adulto, geralmente muito grave, a quem se supõem estes traços.

Neste caso, as vozes graves serão mais válidas para criar ambientes íntimos, para programas sérios ou noturnos, que requeiram maior capacidade de atenção. Portanto, de maneira especial, apresentam-se como mais apropriadas para os programas noticiários radiofónicos.

Face a estas características associadas às alturas tonais, conclui-se que a voz informativa radiogénica, posto que agradável ao ouvido, não pode ser nem demasiado grave (que seria muito obscura e profunda) nem, ao contrário, uma muito aguda, demasiado infantil (que não transmitiria credibilidade).

Ora, qual é a altura mais agradável para uma voz informativa radiogénica? Depois de rever estas correspondências, a balança se inclina mais para as vozes e os registos graves, que para as notas agudas. As razões que nos decantam para a grave são de carácter fisiológico, acústico e psicológico.

Do ponto de vista fisiológico, uma voz grave com uma boa articulação não necessita de ampliar a intensidade (uma voz grave costuma ser mais intensa). Portanto, a voz força-se menos e pode-se falar durante mais tempo sem chegar ao sobreesforço. Por outro lado, uma voz aguda percebe-se menos, mantém menor presença, pelo que se vê obrigada a aumentar a intensidade e provoca maior esforço. Porém, para os locutores de noticiários radiofónicos é importante a utilização constante da sua voz, como instrumento de trabalho, sem padecimentos nem dolências. Finalmente, uma voz grave é mais apropriada para o locutor radiofónico ao ser capaz de se encontrar ativo durante mais tempo, mas quase sem esforço.

Do ponto de vista acústico, posto que as notas altas são as reforçadas no afastamento, uma voz aguda transmite distância e frialdade, perante o calor e a presença de uma voz grave. Portanto, empregando os tons graves estabelecem-se laços de comunicação mais próximos com o ouvinte, um aspeto que a audiência de rádio valora sobremaneira. Existem inclusivamente estudos como o de Ellis[8] que demonstram a correspondência direta entre a tonalidade da voz dos médicos na sua relação com os pacientes. A conclusão é que a tonalidades graves, mais quentes, os pacientes respondiam mostrando-se mais animados. Da mesma maneira, outras experiências como a realizada por Rodero[9] constataram que uma das preferências pela voz grave se deve precisamente à calidez que estas vozes transmitem perante a frialdade das mais agudas.

Por último, numa perspetiva psicológica, as vozes graves percebem-se como mais seguras e credíveis que as agudas. E estas dos características -credibilidade e segurança - são muito estimáveis para um locutor informativo radiofónico. Esta associação é reforçada por alguns estudos, como o que cita Balsebre[10], em que se associa a variável credibilidade a uma voz de tom mais baixo, menor velocidade, menos volume e maior variação. Ao mesmo tempo, os estudos de Rodero[11] demonstraram que outra das preferências dos sujeitos inquiridos pelas vozes graves se deve à maior credibilidade, veracidade, segurança e tranquilidade que transmitem. Por todas estas razões, Rodríguez Bravo recomenda o seguinte:

“o locutor construirá uma voz muito melhor aceite pelos ouvintes sempre que procure falar situando-se acusticamente nos seus registos mais graves. Isto é, sempre que situe o tom modulador na zona mais baixa da sua tessitura. Esta afirmação é válida tanto para as vozes masculinas para as femininas”[12].

Outros autores, como Keith Cohler[13], expressam também a sua inclinação claramente ao afirmar que “para os locutores de rádio, o registo de voz mais apreciado encontra-se nos dois tons mais graves, seja num homem ou numa mulher. Sentimos como funciona assim com sopranos e tenores”.

De alguma maneira, os estudos demonstram que existe uma inclinação para os registos graves perante os agudos mas em nenhum modo isto quer dizer que seja o único que deva empregarse. Em primeiro lugar, o registo selecionado tem de ser acorde com o conteúdo da notícia. Não se pode empregar um demasiado grave, por exemplo, para uma notícia animada de tipo cultural. Em segundo lugar, o locutor deve variarlo a fim de evitar a monotonia. Mas, por último, se o locutor já possui uma voz bastante grave não é aconselhável que se mantenha ao longo do discurso muito abaixo no seu nível tonal, já que então a voz soará sempre menos clara. Finalmente, sempre tendo presentes estas salvedades, em geral, para os noticiários radiofónicos preferem-se as vozes e os registos ou níveis graves.

Em conclusão, as vozes e os registos ou níveis graves são mais radiogénicos que os agudos, pelo que são mais aconselháveis para o locutor de rádio. Mas de isso não se conclui a supressão das chaves altas o medias do discurso informativo. Cada uma se empregará de acordo ao conteúdo. Por isso, além de ser uma voz grave, deve caracterizar-se, como já se insistiu, pela versatilidade, neste caso, versatilidade tonal. A voz informativa radiogénica é uma voz dotada de riqueza melódica, volúvel, capaz de ascender e descender ao seu antojo na escala tonal, isto é, uma voz que domina a vontade a extensão vocal a que pertence, em função sempre do conteúdo da mensagem informativa. Para isso, o locutor radiofónico deve empregar os seus registos tonais de acordo com as associações psicológicas que sugerem no ouvinte.

Conforme o timbre[14]

O timbre é a qualidade acústica da voz que maior relevância possui, ao ser a que concede o matiz característico ao som. Assim, é a qualidade da voz mais complexa. Por isso determina a personalidade da voz, imprime as características que a definem. Portanto, quando uma voz nos parece bonita ou, ao contrário, nos desagrada, o que se está qualificando, na realidade, é o seu timbre. Esta é a razão pela qual possuir um bom timbre vocal é essencial num locutor radiofónico.

Esta qualidade da voz é tão decisiva que é precisamente através do timbre que se reconhecem e identificam as vozes. Por isso, na rádio, transforma-se no fator determinante, ao constituir a voz o único som que o ouvinte percebe. O timbre supõe a identificação do emissor. É a qualidade acústica que evoca as imagens na mente da audiência:

“sugere rádio, é muito importante uma voz profunda que comunique autoridade: de facto, a voz pode, com frequência, contradizer o físico. Um locutor britânico que pareceria pela sua voz em antena uma pessoa robusta, madura e misteriosamente atrativa era, na realidade, em pessoa, baixinho e tinha um olho de vidro”[15].

Portanto, o timbre é o meio mais importante através do qual o recetor constrói a imagem mental do sujeito falante, embora como se viu, poucas vezes coincida com o físico real.

Quanto ao timbre, a voz informativa radiogénica é, como já se disse, uma voz agradável, o que supõe uma qualidade inata. Para Rodríguez Bravo[16], “esta agradabilidade depende de forma importante da harmonicidade[17] do timbre da voz e de uma atitude do locutor bastante tranquila e amistosa para que se consiga um som relaxado e cálido'’". Esta é a razão pela qual, por vezes, uma voz que, em bruto, não parece uma voz bonita pode melhorar através de uma adequada reeducação. Portanto, não só é questão de nascer com uma boa voz, também é necessário trabalhá-la, exercitá-la. Como recomenda Cícero[18]devemos desejar uma voz bonita, e embora não dependa de nós possui-la, depende de nós cultivá-la e fortificá-la’.

Além de agradável, a voz radiogénica deve ser harmónica e transparente, o que se traduz na perceção do ouvinte de uma maior sinceridade por parte do locutor, característica essencial na informação radiofónica. Naturalmente, a voz radiogénica deve ser uma voz bem timbrada. De facto, conforme o estudo de Rodríguez Bravo[19], “quanto mais segura e melhor timbrada for a voz radiofónica mais distinguida será a imagem que projeta".

O que se pretende com a exercitação da voz é conseguir uma voz com autoridade e personalidade, o que Boyd[20] denomina “uma boa voz microfónica”, que conta com estas características: “que soe razoável, brilhante e ressoante e livre de defeitos evidentes de fala”.

Finalmente, como também concluem algumas experiências[21], a voz informativa radiogénica é uma voz com autoridade, ressoante, rica em matizes, harmoniosa, clara e uma voz explícita, isto é, aquela que sem ressonâncias metálicas é agradável ao ouvido. Trata-se de uma voz com harmónicos de altas frequências, posto que são importantes para a inteligibilidade do som.

Ora, para conseguir este timbre vocálico é imprescindível a impostação. A voz informativa radiogénica é uma voz impostada, emitida com ressonância, para que, como recorda Quiñones[22]: “com o mínimo esforço se obtenha o máximo rendimento fonador’”.

Mas, além de impostada, antes de tudo tem de ser uma voz moldável – insiste-se uma vez mais, com grande capacidade de adaptação. Não será uma voz constante, não soará de similar maneira em todas as circunstâncias, mas que será capaz dentro das suas possibilidades de modificar o seu timbre para o transformar em mais vivo, mais sério, mais intenso, mais próximo ou mais distante em função da mensagem emitida.

Estas seriam as qualidades tímbricas que uma voz informativa radiogénica tem de possuir. Ao contrário, nunca pode ser uma voz com algum tipo de defeito. Uma voz radiogénica não pode ter um timbre nasal, gutural, engrolado, gritador, sibilante, infantil ou velado. Para Cebrián Herreros[23], as vozes que mais incomodam são as guturais ou nasaladas. Ambas se podem corrigir, porque a sua origem não é fisiológica mas encontra-se numa incorreção articulatória. Então, não são totalmente descartáveis em rádio se se educam para eliminar esses defeitos.

Mas, se é imprescindível descartar as vozes nasais e guturais, também, conforme Tubau[24], na rádio se tem que prescindir das vozes guturais. De facto, “uma voz gutural é indesejável para um jornalista oral. Uma voz gutural ou campanuda suscita de imediato a animadversão da maior parte do público”. Assim, uma voz pode possuir um timbre agradável mas fazê-la demasiada agradável pode desembocar na voz gutural. A perceção de uma voz pedante costuma provocar a antipatia do público, pelo que se descarta para a emissão radiofónica. A voz radiogénica deve soar natural e esta naturalidade consegue-se emitindo a voz sem esforço, sem artifícios nem exageros.

A voz informativa radiogénica tampouco pode ser uma voz estridente, uma voz esganiçada, infantil, finalmente, demasiado aguda, o que se conhece por voz de apito. Em princípio, posto que também suscitaria reações negativas no público. Mas, assim, uma voz infantil, demasiado aguda, não transmite credibilidade, não possui autoridade, portanto, é difícil que consiga entabular comunicação com o ouvinte.

Por último, será necessário evitar as vozes sibilantes e veladas. Por sibilante entende-se aquela voz que se percebe como uma espécie de som, que soa como um assobio. As veladas são aquelas vozes cobertas, obscuras, que não parecem transparentes.

Finalmente, além das características antes citadas, a voz informativa radiogénica necessita de se encontrar livre de defeitos ou impedimentos fisiológicos da fala.

Conforme a intensidade.

Até ao momento delimitou-se a voz informativa radiogénica como uma voz grave e versátil com um timbre agradável e impostado, uma voz que transmite autoridade, credibilidade e segurança. Pela relação que existe entre as qualidades acústicas da voz, deduz-se que essa voz não pode acontecer com uma elevada intensidade. Em primeiro lugar, porque com o incremento de intensidade, uma voz não treinada costuma elevar-se, percebendo-se mais aguda. Em segundo termo, porque o timbre se modificaria transformando-se em mais distante, mais frio. Uma voz mais grave, por outro lado, não costuma exigir um aumento de intensidade para ser perfeitamente audível e o seu timbre costuma perceber-se mais íntimo e pessoal:

“sugere prática, demonstra-se continuamente que na rádio uma voz íntima, grave e pessoal é a que produz melhor efeito. Apesar de tudo, diariamente observa-se que nem todos falam ao microfone como ao representante de um dos milhões de radiouvintes que se encontram sentados, com total confiança ante o seu recetor, mas que se grita através do microfone a um grupo de milhões de pessoas'’[25].

Portanto, a voz informativa radiogénica é uma voz sem demasiada intensidade posto que é uma voz tecnicizada, amplificada em volume pelo microfone. Esta é a razão pela qual o locutor de noticiários nunca tem de gritar ante este elemento. Um forte incremento de intensidade ante um microfone se traduzirá numa saturação do som já que o técnico efetuou a regulação para a voz falada. Além disso, ante uma voz de forte intensidade, como comprovou Rodríguez Bravo[26], o ouvinte perceberá um incremento da tensão, quando a audiência aceita com maior agrado um discurso mais relaxado. Porém, conforme testemunha o mesmo autor, a tensão e o brilho encontram-se associadas à inteligência dos locutores, de tal maneira que “vozes com uma maior intensidade repartida ao longo de todos os formantes do espetro, construíram na imaginação dos nossos ouvintes locutores mais inteligentes".

Por outro lado, a intensidade estabelece uma relação psicológica de distância entre o locutor e o ouvinte. Como na rádio se persegue a proximidade com a audiência, a voz nunca pode subir demasiado em volume.

Finalmente, é necessário evitar os extremos. Por isso, o adequado é que a voz seja enérgica, sem alcançar os extremos da forte. Será uma voz, assim, com consistência, com presença, uma voz com personalidade. O mais apropriado sempre será uma voz débil, que se percebe mais insegura e carente de solidez.

Tudo isso não quer dizer que a intensidade deva manter-se constante. Ao contrário, como o tom e o timbre, tem de se adaptar ao conteúdo do texto. A intensidade tem de variar durante o discurso para captar de novo a atenção do ouvinte ou para remarcar alguns aspetos do texto, mas sem descer tanto que a voz resulte impercetível e sem alcançar o grito. Como salienta Cebrián Herreros[27]: “se se mantivesse o nível da voz sempre constante resultava uma uniformidade que faria perder interesse ao ouvinte”. Estas modificações tanto na intensidade como no tom e o timbre evitam a monotonia, no seu sentido mais amplo, como falta de variedade discursiva:

“não é necessário gritar para captar a atenção dos ouvintes, mas se é necessário efetuar alterações no volume da intensidade da voz utilizada na leitura de um texto, para ajudar à compreensão do seu conteúdo. Na leitura de qualquer texto, sempre deve evitarse a monotonia, para o qual se procurará modificar o tom, a velocidade e o volume, conforme o conteúdo do texto”[28].

Portanto, são recomendáveis leves modificações de intensidade.

Finalmente, a voz informativa radiogénica deve evitar elevar ou baixar demasiado a intensidade, não necessita ser nem forte nem débil, mas que tem de ser enérgica, isto é, manter-se numa intensidade media-alta e realizar variações intensivas em função do conteúdo do discurso informativo. Assim, em algumas vezes, ante notícias negativas, o locutor noticiarista radiofónico poderá incrementar a intensidade para transmitir a tensão da realidade e, em outros momentos mais relaxados, como por exemplo em informações de tipo social o cultural, descender em intensidade para refletir a tranquilidade.

Conforme a duração.

As vozes informativas radiogénicas também se encontram determinadas pela duração da emissão sonora. Esta, em nenhum caso, deve resultar muito efémera, pelos próprios condicionantes da perceção assim como pelas próprias características do canal radiofónico.

Em princípio, a duração da emissão vocal não pode ser muito breve posto que os sons necessitam de um determinado tempo para ser percebidos. Mas, na informação radiofónica, as notícias não devem tão só ser percebidas mas compreendidas e o processo de assimilação necessita de mais tempo que apenas a perceção. Além disso, a sensação psicológica que gera uma emissão vocal acelerada é de tensão. Por sua vez, esta excitação transmite nervosismo e, no final, tudo isso deriva em esgotamento para o ouvinte:

“na sua opinião, o ritmo excessivamente rápido provoca uma tensão que, se é prolongada, chega a resultar insuportável para o ouvinte, tal como acontece quando ouvimos alguns noticiários radiofónicos, cujas notícias não poucas vezes acabam por não ser compreendidas por quase ninguém precisamente por causa da velocidade e monotonia no ritmo com que costumam ser postas em antena”[29].

Como o volume de dados a transmitir é muito maior que em outros programas radiofónicos, a locução radiofónica informativa não pode ser em nenhum caso muito rápida, posto que então a voz perde a sua principal função: dirigir para o conteúdo.

“resulta extremamente grave que a velocidade de leitura nos noticiários seja tão elevada, muito mais que a de outro tipo de mensagens. O carácter concetual e racional dos noticiários e as consequências que a informação tem no conhecimento humano aconselham precisamente uma velocidade de pronunciação mais lenta ou ao menos similar à de outras mensagens menos relevantes, em benefício da clareza expositiva e, finalmente, da compreensão”[30].

Muitos locutores pensam ter realizado melhor o seu trabalho por ter contado à audiência um maior número de notícias em menor espaço de tempo. Porém, não tomam em conta que a audiência perdeu a maior parte desses dados porque se expressaram de maneira atropelada. Não houve lugar para a assimilação. Finalmente, o seu trabalho não terá servido para nada, como demonstraram alguns estudos experimentais[31]. Os resultados neste sentido relegaram a leitura para uma velocidade muito rápida aos últimos postos. Os sujeitos a valoraram como uma das menos agradáveis. Portanto, terá que cuidar-se de elevar demasiado a velocidade do discurso informativo.

A exigência de fugir das vozes lestas na informação em rádio também deriva do carácter irreversível do canal radiofónico. O ouvinte não conta com a possibilidade de voltar a ouvir aquilo que não compreendeu.

Posto que o ouvinte não dispõe da capacidade de retorno para comprovar uma determinada informação, a exposição deve resultar eficaz na primeira emissão. Por conseguinte, a locução não pode ser demasiado rápida.

No extremo contrário, tampouco são adequadas as vozes lentas, embora este não seja um defeito muito habitual na rádio. A emissão lenta provoca cansaço no ouvinte devido à monorritmia que gera. De facto, conforme Cebrián Herreros[32], “a exposição demasiado lenta no atraso nem implica o ouvinte e provoca a comunicação ineficaz'’. Ante isso, a audiência perde também a atenção. Assim, conforme algumas experiências[33], se a velocidade rápida é uma das mais incómodas, a lenta foi a que menos agradável pareceu aos sujeitos experimentais, ao resultar a mais melancólica. Portanto, mais que qualquer outro defeito quanto a duração, este tem de ser o que se deve evitar a todo o custo.

Finalmente, as vozes ideais para a informação radiofónica, as radiogénicas, são vozes pausadas que, sem lentidão, manifestam-se no tempo necessário para que o ouvinte assimile a informação que transmitem e, portanto, respondem às exigências de fugacidade do canal radiofónico.

Naturalmente, como no resto das qualidades da voz, devem ser vozes que combinem a velocidade de exposição com o conteúdo da mensagem informativa. Assim, os locutores de noticiários radiofónicos deverão acelerar a locução quando se encontram transmitindo alguma ação que se está desenvolvendo (por exemplo, numa crónica em direto) e combinarão com um ritmo menos acelerado quando os dados, mais que à ação, convidem à reflexão.

Finalmente, a voz radiogénica deve ser uma voz pausada com capacidade de adaptação da sua velocidade ao conteúdo da informação.

Conforme a atitude.

A combinação destas qualidades acústicas da voz determina a atitude ou disposição de ânimo que o locutor noticiarista radiofónico evidencia. As emoções refletem-se na voz e, por isso, o locutor deve cuidar a atitude com que fala ante um microfone, posto que é determinante na receção que realizará o ouvinte da mensagem. Uma voz informativa radiogénica necessita evitar sempre os extremos. Por termo geral, não pode ser uma voz excessivamente alegre nem triste, muito melosa ou muito distante, muito simpática ou demasiado antipática. Em geral, terá de ser uma voz neutral, adaptando-se à mensagem, mas não com excessivo zelo. Não existe nada tão artificial, quando se procura a naturalidade, que uma voz afetada, fingida ou uma voz triste contando um caso trágico. De facto, como recomenda Tubau[34]: “a um locutor de voz triste devia ser diretamente mandado chorar para casa”. Por outro lado, os estudos demonstram que a naturalidade é o traço mais valorado para que uma voz se perceba como agradável[35]. Portanto, o locutor radiofónico deve sempre manter como premissa principal a naturalidade na sua expressão.

Ante a dúvida, sempre é mais proporcionado manter uma atitude sóbria, natural, e, sobretudo, aproximar-se do microfone com humildade, de maneira relaxada e tranquila. Uma das atitudes mais valoradas pelos ouvintes, conforme Rodríguez Bravo[36], é a segurança. Assim, “quanta mais segurança reflete uma voz tanto mais adequada será para a locução radiofónica”. De facto, muito mais adequada será para apresentar noticiários radiofónicos, como também demonstraram outras experiências[37]. A segurança foi determinante para definir uma voz como a mais agradável na emissão de notícias na rádio.

Porém, essa atitude encontra-se em função, uma vez mais, no conteúdo do discurso. A atitude não pode nem deve ser a mesma para discursos noticiários que, por exemplo, publicitários ou dramáticos. Um programa informativo persegue uma atitude mais sóbria, sem que por isso a voz deva soar sonsa ou artificial. Ante notícias negativas, o mais recomendável é a moderação e, ante as positivas, a simpatia. De facto, vários autores aconselham que quanto maior dramatismo contenha uma informação, mais fria e distante deve ser a atitude do locutor. Porém, a frialdade pode constituir-se também como uma tomada de posição ante um acontecimento. Por esta razão, a melhor atitude é a sobriedade. Esta posição mais neutral que deve adotar o locutor noticiarista radiofónico não significa em nenhum caso que não deva dominar e explorar todos os recursos expressivos da sua voz. Todo o contrário. A diferença é que o locutor noticiarista radiofónico terá de ser mais seletivo. Como o resto, necessitará descobrir as suas possibilidades vocais e adaptá-las para que a mensagem resulte credível e se estabeleça a comunicação com o recetor. A fim de conseguir este objetivo, o locutor deverá treinar-se para dotar de expressividade um tipo de texto, o noticiário, que resiste mais ao adorno melódico. Sempre será mais moderado que qualquer outro conteúdo distendido mas nunca deverá alcançar a sobriedade absoluta. A realidade está viva e assim o locutor a deve transmitir ao ouvinte. Além disso, as informações de um mesmo espaço são de diferente signo, negativas e positivas, pelo que não convém manter constante a atitude ao longo do mesmo programa.

Em resumo, a voz radiogénica é aquela capaz de transmitir diferentes atitudes em função do conteúdo da mensagem, explorando a riqueza expressiva do texto informativo e mantendo, em geral, uma atitude sóbria embora cordial e natural para o ouvinte.

Finalmente, a voz mais agradável para os noticiários radiofónicos, a voz radiogénica é uma voz falada, microfónica, ressoante e impostada, desprovista de defeitos fisiológicos, mantida num tom grave, com domínio da sua extensão tonal, tímbrica, enérgica e pausada e que se manifesta de maneira sóbria embora natural e cordial.

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-TUBAU, Iván: Periodismo Oral. Hablar y escribir para radio y televisión. Paidós, Barcelona, 1993.

 

 

Tradução e adaptação

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto



[1] O termo voz radiogénica é retirado de Rodríguez Bravo (1989), definindo assim a voz que melhor se adapta ao meio radiofónico.

[2] RODERO, Emma: "A voz informativa radiogénica. Falar de maneira correta e agradável da cabine." Mexican Journal of Communication, No. 79, Mexico, 2002.

[3]ARIAS RUIZ, Anibal: Radiofonismo. Conceitos para uma radiodifusão espanhola. A. Vasallo, Madrid, 1964, p. 395.

  No auge do tom vocal e na elevação da voz em relação ao número de vibrações por segundo do acorde vocais, que determina um registro grave, nem sempre é mais agudo, ou mais agudo, à medida que aumenta.

  Cit. em BALSEBRE, Armand: a linguagem do rádio. Presidente, Madrid, 1994, p. cinquenta. 

ROS, Mariano: Rádio informação. Mediação técnica, tratamento e programação. Synthesis, Madrid, 1994, p. 403.

 

[4] A altura do tom vocal é a elevação da voz decorrente do número de vibrações por segundo das cordas vocais, que determina um registo grave, se não forem muitas, ou mais agudo, conforme se incrementem.

[5] Cit. en BALSEBRE, Armand: El lenguaje radiofónico. Cátedra, Madrid, 1994, p. 50.

[6] RODRIGUEZ BRAVO, Angel Andrés: A construção de uma voz radiofónica. Tese de Doutorado, Dto. de Comunicação Audiovisual e Publicidade da Universidade Autónoma de Barcelona, Barcelona, 1989, p. 257.

[7] KNAPP, Mark L.: Comunicação não verbal. Paidós, Barcelona, 1982.

[8] ELLIS, Richard: Theoryypratic of Human Communication. Paidós Communication, Barcelona, 1993, p. 67

[9] RODERO ANTÓN, Emma: Radiophonic Informational Locution. Parte experimental. Tese de Doutorado, Pontifícia Universidade, Salamanca, 2001.

[10] BALSEBRE, Armand: A credibilidade do rádio noticioso. Feed-Back, Barcelona, 1964, p. 56

[11] RODERO ANTÓN, Emma.: Op. cit.

[12] RODRIGUEZ BRAVO, Angel Andrés: Op. Cit., P. 258.

[13] KEITH COHLER, David: Broadcast Journalism. Um guia para apresentação de notícias de rádio e televisão. Prentice-Hall, New Jersey, 1985, p. 182. “Para o noticiário, as qualidades de voz mais desejáveis estão nos dois registros mais baixos, tanto em homens quanto em mulheres. Desculpe, suas letras e alto, mas é assim que é”.

[14] O timbre da voz é a qualidade que distingue algumas vozes de outras. É produzido pela soma do tom vocal mais os harmónicos que ocorrem nas cavidades ressonantes ou articulatórias.

[15] BOYD, Andrew: Broadcast Journalism: Techniques of radio and TV News. Focal Press, London, 1994, p. 142. “In radio, what scores is a clear resonant voice that conveys authority: in fact, the voice can often belie the looks. One British newsreader who sounded broad-shouldered, seasoned and dakly handsome on air, was in the flesh sort and with a glass eye”.

[16] RODRIGUEZ BRAVO, Angel Andrés: Op. cit., p. 256.

[17] Harmonicidade - a maior ou menor intensidade de frequência

[18] CICERO, Marco Tulio: O Palestrante. Alma Mater, Barcelona, 1967. Texto revisado e traduzido por Antonio Tovar e Aurelio R. Bujaldón.

[19] RODRIGUEZ BRAVO, Angel Andrés: A dimensão sonora da linguagem audiovisual. Paidós, Barcelona, ​​1998, p. 280

[20] BOYD, Andrew: Op. Cit. p. 143. "Razoável, rico, nítido e ressonante e livre de obstáculos óbvios."

[21] RODERO ANTÓN, Emma: Op. cit.

[22] QUINONES, Carmen: Cuidando da voz. Exercícios práticos. Escola de Espanhol, Madrid, 1997, p. 63

[23] CEBRIAN HERREROS, Mariano: Rádio informação. Mediação técnica, tratamento e programação. Synthesis, Madrid, 1994, p. 403.

[24] TUBAU, Iván: Jornalismo Oral. Fale e escreva para rádio e televisão. Paidós, Barcelona, ​​1993, p. 41

[25] ARNHEIM, Rudolf: Estética radiofónica. Gustavo Gili, Barcelona, 1980, p. 50.

[26] RODRIGUEZ BRAVO, Angel Andrés: Op. cit., 1989, p. 256.

[27] (CEBRIAN HERREROS, Mariano: Op. cit., p. 71.

[28] FÉNIX, Equipo: La Radio. Rosaljai, Barcelona, 1996, p. 46

[29] MERAYO PEREZ, Arturo: Curso Práctico de Técnicas de Comunicación Oral. Tecnos, Madrid, 1998, p. 239.

 

[30] MERAYO PEREZ, Arturo: Para entender la radio: Estructura do proceso informativo radiofónico. Universidad Pontificia de Salamanca, Salamanca, 1992, p. 114.

[31] RODERO ANTÓN, Emma.: Op. cit.

[32] CEBRIAN HERREROS, Mariano: Op. cit., p. 411.

[33] RODERO ANTÓN, Emma: Op. cit.

 

[34] TUBAU, Iván: Op. cit., p. 42.

[35] RODERO ANTÓN, Emma: Op. cit.

 

[36] RODRIGUEZ BRAVO, Angel Andrés: Op. cit., 1989, p. 260.

[37] RODERO ANTÓN, Emma: Op. cit.

 

 

A linguagem sedutora da rádio

A linguagem sedutora da rádio



Cristina Romo

A rádio é o meio sonoro por excelência. É, seguindo McLuhan, a extensão da boca, da laringe, dos pulmões do homem; mas, mais ainda, é o altifalante do cérebro humano. Que melhor instrumento para a fala!

Tradução e adaptação

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

 

A rádio é o meio sonoro por excelência. É, seguindo McLuhan, a extensão da boca, da laringe, dos pulmões do homem; mas, mais ainda, é o altifalante do cérebro humano. Que melhor instrumento para a fala!

A fala da rádio é a única existente quando se emite, se é que há um interlocutor que a percebe, e não apenas receptor. Um receptor só recebe. Um interlocutor, além de ouvir, processa e ressemantiza; recria e evoca; usa e faz «coisas» com as palavras.

Se é que há alguém que a percebe. Se é que houve alguém que conseguiu convocá-la para o diálogo criativo que se pode estabelecer através do ar entre pessoas que são sensíveis e que são capazes de significar em comum, ainda quando não haja uma resposta imediata, em presença e através do mesmo canal, como exigem os puristas para catalogar como comunicativo um processo. Precisamente aí é onde está a chave da comunicação radiofónica: em que se pode dar embora os interlocutores não se vejam; a maioria das vezes nem se conhecem, mas se podem entender e podem criar sentido em comum.

Porque a linguagem radiofónica não tem limites, e exige isso, que não haja limites, já que o meio está aberto para que através dele transitem e se movam com liberdade as palavras, os enunciados, as ideias, os pensamentos, os sentimentos, o acontecer, o humor, a filosofia, a vida. Tudo o que pode ser expresso com palavras pode ser transmitido por rádio, e que coisas não podem ser expressas com palavras ou transformadas em sons?

Por isto indignam tanto os improvisados falantes, os que têm, com frequência, o vocabulário mais reduzido; os que são incapazes de procurar e encontrar todas as possibilidades da língua; os que se conformam com as formas de expressão mais trilhadas, os que têm tomados, ocupados, os microfones da maior parte das cabinas das emissoras, pelo menos neste país.

Frases que não resistem à mais pequena análise, são pronunciadas dia a dia, minuto a minuto através da rádio. Não é raro ouvir:

— “Os responsáveis fugiram e estão a monte».

— “A sociedade civil».

— “Segundo informação de fonte próxima».

— «Não responderam ao pedido de informação».

— «Alegadamente mataram um jovem por não obedecer ao sinal de paragem».

Os locutores e todos os falantes da rádio têm, ainda sem o saber ou assumir, a responsabilidade do uso social da língua, já que boa parte da população não tem outro contacto com ela a não ser o que ouve na rádio e na televisão; o uso pessoal, quotidiano, como todos sabemos, é reduzido, repetitivo, obvio; limita-se ao doméstico e aos amplos espaços de silêncio nos quais vivem, por exemplo, as mulheres, embora se diga o contrário, e é muito injusto que os sujeitem à verborreia e às canções insubstanciais com que se costumam preencher os espaços radiofónicos.

A um meio oral como a rádio correspondem, necessariamente, tarefas iniludíveis, como o resguardo, purificação, ampliação e difusão da língua.

A língua modifica-se. Sim, isso ninguém o duvida nem se deve evitar. É um ente vivo, em mudança, social e como tal é afectado pelo que acontece na sociedade e sua evolução. Constatamos que há vocábulos que deixámos de ouvir e de usar porque o contexto e as circunstancias em que se davam não existem mais ou modificaram-se. Assim, já não chamamos pena ao utensílio para escrever; nem dizemos atiça o fogão ao começar a cozinhar; nem falamos de jornadas para nos referirmos à distância. Por outro lado, começam a ser palavras de uso comum: computador, estar em rede, processador (de alimentos, de palavras), envio-te um fax ou um mail.

Essas são modificações naturais que respondem às mudanças correspondentes na vida quotidiana. Boa parte das transformações da língua provém dos meios de comunicação que não obedecem, obrigatoriamente, ao uso natural e social da mesma, mas a imposições alheias ou a certa economia de palavras. Assim se vão eliminando pouco a pouco os artigos e se incorpora o desnecessário e incorrecto uso do gerúndio, que são peculiaridades próprias do inglês, como: «Feitor vai estar nos olímpicos», ouvido aqui o ano passado, ou a expressão: «Governando é a melhor forma de servir o povo».

Numa conferência sobre os meios de comunicação e a língua, Juan Lope Blanch dizia[1]:

«A língua é algo muito sério e deve merecer todo o nosso respeito. É um bem comum — o máximo bem humano — e não podemos brincar com ela caprichosamente: pertence a todos, e ninguém tem o direito de a alterar ao seu particular capricho. Todos devemos cuidar dela com devoção, sem a deformar nem a corromper ao nosso gosto...

E nesse labor de cuidadosa conservação de um bem comum a milhões de falantes, têm a máxima responsabilidade os que dispõem de meios de difusão linguística tão poderosos como são a rádio e a televisão.».

A fala da rádio não está só, nem se atém somente às suas possibilidades, conta com o recurso da música e de todos os sons e, no conjunto, formam a linguagem radiofónica. Armand Balsebre[2] no seu livro A linguagem radiofónica diz que «se constitui com os sistemas expressivos da palavra, da música e dos efeitos sonoros» e define o sistema semântico radiofónico como uma «sucessão ordenada, contínua e significativa de 'ruídos' elaborados pelas pessoas, os instrumentos musicais ou a natureza, e classificados segundo os reportórios/códigos da linguagem radiofónico». [3]

Tão grave é considerar a rádio como apenas emissão de música, como as emissoras que só crêem na palavra falada, sem fazer uso de outros recursos sonoros; seria tanto como fazer um programa em que houvesse só efeitos sonoros, como os que se fazem em spots publicitários ou em radionovelas. Os três são elementos indispensáveis na rádio.

Uma boa parte dos responsáveis da rádio alteraram a vocação do meio e transformaram-no só em difusor da música. Embora a música seja um dos principais produtos sonoros e, por fim, é um importante conteúdo da rádio, falar de rádio desta maneira, é uma simplificação e um empobrecimento do meio. De facto, a rádio é um meio desperdiçado, e como diz Angel Faus[4], um meio desconhecido. Desconhecido e desperdiçado nas suas possibilidades, nas suas potencialidades, na sua capacidade expressiva e comunicativa. Antes querem dotá-la das características de outros meios, perante os quais pode parecer limitado. Assim se diz da rádio que é imprecisa, que carece da força do permanente, que é limitado o seu acesso sensorial, e precisamente, por essas características, a rádio é pessoal, próxima, própria. Por isso é flexível; por isso pode despertar a imaginação e fazer-nos passear por lugares ignotos, transmitir sentimentos profundos, transitar pelo tempo. Ir e vir, subir e descer, abrir e fechar.

Fazer rádio é estabelecer comunicação, criar sentido em comum. É considerar o receptor como um interlocutor; porque a rádio provoca na audiência uma relação pessoal graças à qualidade do som de ser introspectivo; à possibilidade de que, quem ouve, recrie a mensagem de acordo com a sua experiência, as suas vivências, a sua história. O ouvido é um sentido atento, que não se fecha ou se apaga; que convida e propicia a introspecção para um mundo interno pleno de experiências e sensações visuais, tácteis, auditivas A linguagem radiofónica é flexível e permite expressar quase qualquer coisa, porque apela à imaginação e à boa vontade do que ouve. Daí, que o elemento mais importante seja a fala, a palavra, a voz, sem perder de vista que vai acompanhada da música e o ambiente sonoro.

A palavra é acção e é acto. Tomar a palavra, é uma das tarefas próprias do homem vivo. «A palavra é para o homem começo de existência, afirmação de si na ordem social e na ordem moral. Antes da palavra só há o silêncio da vida orgânica que, contudo, não é um silêncio de morte, pois toda a vida é comunicação», em palavras de Gusdorf.[5]

Embora muitos verbos se refiram a uma acção, há palavras que são o que dizem, no facto de dizê-las. Uma destas é nomear, com o que o homem chama à existência a isso ao qual nomeia; chamar às coisas pelo seu nome, é uma maneira de expressar a sua essência. Outra dessas palavras é, precisamente, radiar ou falar por rádio, comunicar por rádio. Fala-me, fala-nos, tu falas; diz-me, diz-nos, tu dizes. A palavra radiofónica está aí para convencer, aconselhar, acariciar, recordar, evocar, convocar, provocar, afagar; mas nunca para murmurar, insultar, irritar, afastar. Na rádio não há acção nem comunicação sem a palavra.

Quando um locutor de rádio ou a locutora de rádio só faz uso da sua capacidade verbal e das características do meio, leva a cabo um acto exclusivamente fonético, locucionário, em termos de J.L. Austin.[6] Trata-se de um leitor de textos que outros escreveram, um apresentador mecânico de canções, embora haja um certo sentido e alguma referência; mas que não é explícito: «Ouvimos Luis Miguel sobre chamado incondicional».

Ao transmitir um anúncio, ao descrever e enunciar, quando o locutor lê as notícias, é provável que esteja a dar um passo mais e então procure uma resposta, para conseguir um efeito: comprar ou usar um produto ou serviço; advertir, informar. Só pede que receba e entenda. Ao dizer, basta; ao falar, cumpre. Realiza um acto fático e com frequência as consequências não importam. A linguagem pode resultar sem sentido ou ser confusa. Como naquela ocasião em que o condutor de uma entrevista perguntava: «Utilizam que aparelhos?» onde o locutor, distraído com a sua verborreia, repentinamente dá-se conta que tem que perguntar algo, fá-lo a correr, sem reflectir e retorce uma simples pergunta como “Que aparelhos utilizam?”, em algo trapalhão e confuso. Ou quando um noticiário abriu com o seguinte: «“o PSD ganhou as eleições em Aveiro”, disse fulano de tal, presidente da Câmara desse partido», e o jornalista de serviço à escuta, que se distraiu e que, com certeza, não viu as aspas, comentou depois uma informação errónea.

O locutor de rádio é eficaz quando não lhe basta dizer algo, mas quando ao dizê-lo realiza uma acção; então são muito claras as suas intenções de comunicar, de entrar em relação com o ouvinte, com o seu interlocutor, através de actos de fala em que se consegue algo (perlocução); porque se convenceu, se persuadiu, não se obrigou. Porque é ele ou ela quem fala, quem diz e não outro.

A linguagem radiofónica é por natureza uma linguagem oral. Contudo, embora pareça exagero, é preciso destacar e repetir porque há desatenção ao que dizem os falantes, os emissores, os locutores. A linguagem oral caracteriza-se pela sua construção simultânea com o pensamento. Elabora-se em situação; é um raciocínio que se vai fazendo. Embora a sua finalidade seja convencer, informar, interrogar, também é ouvir e deixar-se convencer, inteirar-se e responder.

O falante de rádio é também um ouvinte, e isso mais ou menos o compreende o que improvisa, mas aos que escrevem para a rádio se lhes esquece muitas vezes de usar um código escrito, para ser lido e não uma linguagem oral para ser ouvido. Com frequência isto acontece com os repórteres de informativos, aos que lhes interessa mais emitir a informação que a sua compreensão.

A concepção da linguagem na rádio costuma ser escrita e não oral. Se quere manejá-lo e programá-lo desde o código escrito e não desde a fala. os textos se escrevem sem respeitar ou sem recordar que serão lidos em voz alta e em presença de ninguém, e que, ao mesmo tempo, deverão ser ouvidos, percebidos, recebidos, assumidos, por seres humanos, que estão em outra parte e que querem dialogar com ele e que aceitam a convocação, mas que não podem captar a intenção, a riqueza e a expressividade, se estas não são transmitidas, isto é, se não estão na mensagem que se lhe envia. «Só quando a escrita se lê, em voz alta, quando se locuta (sic), só então, o acento de uma grafia adquire ânimo ou sopro de vida».[7]

A linguagem radiofónica estrutura-se com base na linguagem coloquial, familiar, próxima, e por essa razão penetra no ouvinte. A rádio é um meio que nos convoca, nos chama e, embora o faça pessoalmente, de forma íntima, somos muitos, uma comunidade social a ser convocada pela mensagem. Graças a esse carácter pessoal e social ao mesmo tempo, a linguagem radiofónica, composta pelos elementos sonoros necessários, é capaz de suscitar, por força das palavras, a sua capacidade de receber o que tem significado comum e a experiência própria dos interlocutores, a presença de factos, sentimentos, sucessos passados; evocar o que tem sentido.

É um jogo, pessoal e comunitário. O ouvinte não está isolado, nem só, embora seja único. Não é somente membro de um grupo social; é um e parte, pelo que de comum pode construir com outros desde si mesmo e a sua experiência. A capacidade evocadora da rádio que faz que a experiência acumulada se represente em comum, se traga à colação, sirva de base ao que se diz agora, permite a comunicação.

De convocar, evocar e provocar, a rádio pode fazer um uso ilimitado deste último, da provocação. «Provocar não significa irritar alguém gratuitamente para que se enoje. Provocar é chamar, chamar-nos em pro, em favor de uma causa, um valor, uma fé, uma vida», diz Raúl Mora, ocasional filósofo da comunicação.

Por seu lado, Fernando Vásquez diz que “a rádio é o meio que mais provoca mentiras e que o torna mais possível. Pelas suas mensagens provocadoras e tendenciosas um homem ou um povo pode pegar numa arma; pelas suas 'entorses de informação', pela sua pressa em dar o 'recado' alguém pode criar pânico ou condenar um inocente”.[8] A capacidade provocativa é, como afirmado acima, ilimitado. Trata-se de provocar diálogo, imaginação, discussão, fantasia, conversa, poesia.

Embora nas primeiras transmissões apenas se tenham imitado outras formas expressivas, desde o início o potencial da linguagem foi reconhecido, as possibilidades da fala radiofónica. A linguagem que a rádio exige é aquela que tira o máximo proveito das características do oral; com ela, a comunicação ocorre numa estrutura de calor humano; além disso, essa linguagem cria esse calor, que Fernando Vásquez define da seguinte forma: «o calor que, mesmo que imaginário, possa parecer gestual, cheio de barulho, insistência e acentuação muito especial»[9], e a que atribui o mesmo espírito e nuance que o diálogo, a discussão e o debate possuem.

A linguagem radiofónica - palavra, música e sons - pode criar ambientes, configurações, cenários, figurinos, climas, sentimentos, ilusões, alegrias, medos, desde que seja bem estruturada, usada adequadamente e oportunamente emitida. Numa ocasião, ao perguntar a uma criança qual era o seu meio favorito, respondeu que gostava mais de rádio porque os cenários eram mais vivos. As possibilidades, com a facilidade que o som oferece, são praticamente infinitas para o melodrama. As mulheres mais bonitas do mundo são aquelas que atravessam os cenários da rádio e são cortejadas pelos galãs mais bem-sucedidos e bonitos. Susana e Juan Carlos, "os galãs têm sempre o nome de Juan Carlos e apaixonam-se por Susana", diz Antonio Skármeta[10], quando também afirma: "a minha infância foi um longo idílio com a rádio", que ouvia junto com sua avó «que era gorda e doce» e nos anúncios ela «prognosticava com um forte sotaque iugoslavo o que aconteceria nos próximos minutos com a heroína ".

Os protagonistas do drama radiofónico, que viajam pelos melhores lugares do mundo e que de um dia para o outro podem aparecer como habitantes do bairro mais pobre, velhos e abandonados, podem fazê-lo porque os fatos existem como são ditos. Infelizmente, o drama de rádio é um género em extinção que deve ser recuperado para bem do público e do próprio recurso, para múltiplos propósitos, especialmente educacionais e culturais.

O locutor, como observador dos eventos e uma ponte entre eles e a audiência, pode tornar presente a esta aquilo que narra; tornar-se credível e provocador de fantasias. O próprio Skármeta disse que na sua infância "os fantásticos locutores de rádio fizeram do jogo de futebol mais chato uma contenda mítica". Os jovens de hoje perderam a oportunidade de ver com os olhos da alma o que está acontecendo no mundo; só conseguem ver com o código estonteante de videoclipes numa tela, seja na televisão ou num computador, e são capazes de acreditar no que a tecnologia virtual apresenta, e eles não aceitam que ouvir as touradas na rádio era uma experiência real, própria e pessoal, na qual as faenas eram realizadas e como todos eram capazes de vê-las na sua imaginação pelo que descreviam Paco Malgesto e Pepe Alameda. Quando se trata de som, os ouvidos modernos aceitam sem replicar a estridência, o som ensurdecedor e atrofiante. Há que recuperá-los.

É necessário restabelecer a rica vida da rádio, incorporar a palavra novamente, além do mero anúncio da próxima melodia ou da transmissão de informações frias. A palavra da rádio, para cumprir a sua missão de comunicar e honrar seu potencial, deve ser estruturada em linhas que garantam sua receção.

Devido à imprecisão do som, que é facilmente perdida e está sujeita a distrações, especialmente visual, a redundância é um elemento a que se deve recorrer frequentemente, seja alterando o contexto, explicando uma situação ou adicionando um exemplo; o importante é garantir que a ideia possa ser percebida adequadamente.

Na rádio, a linguagem deve ser muito "visual", pois tentará substituir os olhos. A pessoa cega involuntária na qual o ouvinte de rádio se torna requer a disponibilidade das informações e referências que lhe permitam perceber completamente. Felizmente, para esses propósitos, contamos com a linguagem oral que é sedutora, emocional, expressiva, ou pode sê-lo, basta remover o linear e girá-lo em torno do que se quer dizer, adicionando, de cada vez, imagens, figuras e elementos provocativos. Escolher o tom e até o tipo de voz de acordo com os propósitos que se deseja alcançar, a hora do dia e o público a que se dirige; de preferência sempre em forma coloquial, como quem conversa.

A palavra vazia é inimiga da palavra radiofónica. Os gritos desenfreados que são um alarido sem sentido, muito frequentes em nossas emissoras, onde risos e gritos se encontram com expressões que somente aqueles que estão dentro da cabine entendem, porque se baseiam em referências particulares. Perto da conversa fiada e barulhenta está o uso de gritos para convencer, chamar a atenção e, portanto, impor, quando é a voz íntima, baixa e pessoal, que comunica e convence os interlocutores. Por seu lado, o tom de “sabe tudo”, a impostação da voz e a verborreia são práticas que afastam o ouvinte; ninguém ouve rádio para ser repreendido.

A rádio é um convite ao diálogo, à conversa, que é "uma das maneiras mais significativas de estarmos juntos".[11] O diálogo ocorre entre interlocutores que tentam a comunicação interpessoal; no entanto, Pasquali[12] diz que «a comunicação com o meio de comunicação introduziu uma injustiça distributiva no diálogo humano porque tende a favorecer o emissor e a minimizar ou silenciar o destinatário ou usuário. O recetor está cada vez mais numa situação de diálogo interrompido, de não poder responder imediatamente».

O bom emissor que tenta comunicar é aquele que considera o ouvinte imaginário como alguém concreto e a ele se dirige com a intenção de receber uma resposta dialógica, e não na forma de um monólogo, e é por isso que ele recorre a certos usos pronominais que tornam o ouvinte presente, com possíveis expressões ao fazer referências pessoais, como: você que me ouve, como sabe, especialmente para si, de acordo com o que preferir, o que acha se agora vamos…

Escrita ou improvisada, a linguagem verbal da rádio é igual à linguagem cotidiana. No entanto, requer um tratamento sintático que facilite a perceção e a comunicação, para que seja atraente, sugestiva, provocadora, visual, pessoal, adequada. Por exemplo, é aconselhável estruturar o discurso com frases curtas, mas concluídas, pois, os ouvintes não vão esperar para ver se completam as informações; se não entender ou não estiver interessado, abandona a audição.

Sugere-se que as frases sejam construídas da maneira clássica - sujeito, verbo e complementos - para facilitar o entendimento. Da mesma forma, a repetição frequente do assunto e a evitar desvios desnecessários farão com que o público saiba sobre o que ou quem se está a falar; além disso, sempre devemos assumir que novos ouvintes se juntaram a nós.

É necessário usar uma pontuação inovadora, que não é a utilizada na escrita, mas a que responde mais à intenção e ao código oral, com base na pronunciação, sotaque, ênfase, pausas, silêncios, música, os efeitos.

A forma mais atual de comunicação e a linguagem mais moderna é a visual, vertiginosa e intermitente da televisão, do vídeo e do computador; mas, precisamente, trata-se de recuperar o pacífico, o calmo, o pessoal, o íntimo do oral. Parafraseando que o sabor foi inventado por Deus ara nos acariciar por dentro, o som, a música, a palavra falada e sua combinação correta foram inventadas para acariciar as nossas mentes e, mais ainda, a nossa alma.

NOTAS:

  1. Lope Blanch, Juan. Los medios de información y la lengua española, UNAM, México, 1988, p.15.

 

Tradução e adaptação

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto



[1] Lope Blanch, Juan. Los medios de información y la lengua española, UNAM, México, 1988, p.15.

[2] Balsebre, Armand. El lenguaje radiofónico, Madrid, 1994, p.24.

[3] Ibídem, p.20.

[4] Cfr. Faus Belau, Ángel. La radio, introducción a un medio desconocido, Guadiana de Publicaciones, Madrid, 1973.

[5] Gusdorf, Georges. La palabra, Galatea/Nueva Visión, Buenos Aires, 1957, p.77.

[6] Cfr. Austin, J.L. Cómo hacer cosas con palabras, Paidós, Barcelona, 1996.

[7] Vásquez Rodriguez, Fernando. "El libreto literario para radio: una artesanía recuperable", Cuadernos Diálogos de la comunicación, nº15, marzo 1991.

[8] Ibid

[9] Skármeta, Antonio. "¡Reina radio, soy tu esclavo!", Nueva sociedad, nº 100, marzo-abril 1989, Caracas.

[10] Ibid.

[11] Gusdorf, Op. cit. p.84.

[12] Pascuali, Antonio. El orden reina. Escritos sobre comunicaciones, Monte Ávila, Caracas, 1991.

 

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