José Afonso e uma experiência única


 

José Afonso e uma experiência única

 

Estávamos em 1962, em Coimbra, no período de exames de outubro. Cabia-me fazer a aptidão ao curso de direito da Universidade. Empreendimento em que tive sucesso.

O dinheiro não abundava e não dava para ir para uma pensão. Tinha um amigo que estava ligado à Rás-te-Parta, conhecida “república” de estudantes, a quem pedi que conseguisse que me deixassem pernoitar até acabar o exame de aptidão. O Sérgio Martins era muito bom aluno e não precisava da época de outubro o que dificultava a “cunha”. No entanto, o relacionamento do meu pai com o Rás-Mor facilitou as coisas. E assim pernoitei na Rás-te-parta.

O Rás-Mor disse para ficar tranquilo a estudar no quarto e que não me incomodasse com o “movimento” que ia acontecer durante a noite. Havia outros convidados para passar a noite naquela casa. José Afonso era um deles. Fui-lhe apresentado com a indicação de que trabalhava na rádio no Porto. Fomos conversando sobre música, discos e, inevitavelmente, fado de Coimbra. José Afonso surpreendeu-me quando disse que estava cheio de fados de Coimbra. Ele que tinha discos editados pela Valentim de Carvalho! Disse-me que queria gravar outras coisas que não fado e pediu-me que sugerisse editoras do Porto. Falei-lhe da Rádio Triunfo, do Arnaldo Trindade e da Rapsódia. Pôs logo a Rádio Triunfo de lado e disse que não conhecia a Rapsódia. Dei-lhe o contacto e insisti no Arnaldo Trindade. Depois disse para eu ir estudar porque o exame que ia fazer não era brincadeira.

Por volta de uma da manhã começo a ouvir cantar uma música bem conhecida, mas com uma letra diferente:

A 13 de maio,

Na Cova da Iria

Não aconteceu nada

É tudo mentira!

Divertiram-se com mais uns temas populares até que, solicitado pelos colegas e com Rui Pato à viola, ouvi, pela primeira vez, “Os Vampiros”. Poema de numa força nunca antes ouvida por mim. Não me atrevi a sair do quarto. Olhando pela janela, encostado à parede, estava um homem que desconfiei ser da polícia política. Temi que a noite tivesse consequência funestas No dia seguinte, disseram-me que, com os estudantes em grupo, os “pides” não se atreviam.

Passados uns meses aparecia no mercado “Os vampiros”, em lançamento da Casa Rapsódia, da Rua de Sto António (hoje, 31 de janeiro). Depois, foi o que toda a gente sabe. Arnaldo Trindade acabaria por dar a José Afonso as condições de trabalho que o seu valor exigia. A Rapsódia foi um episódio isolado.

Devo dizer que, no encontro da Rás-te-Parta, estava também um rapaz de Avintes, chamado Adriano Correia de Oliveira. Ele será o tema da minha próxima história.

Voltei a encontrar José Afonso quando ele veio aos estúdios do RCP por altura da I Convenção Internacional do Disco, realizada em Ofir por Arnaldo Trindade, em 1969. Um acontecimento de criação só possível por Arnaldo Trindade.

Propositadamente nunca tratei José Afonso por Zeca. Só os mais íntimos o tratavam assim. E eu, infelizmente, não o era.

José Afonso foi sempre obrigatório nos programas de rádio que realizei e apresentei.

 

 

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