A rádio, as pessoas e as suas coisinhas
A rádio tem a sorte de ter um estudioso como o professor
Rogério Santos. Entre várias obras publicadas, artigos e comunicações diversas,
tem HISTÓRIA DA RÁDIO EM PORTUGAL, em https://radio.hypotheses.org/.
Aconselho, a quem gosta de rádio, a passar pelo site. Lá se conta
muita coisa interessante. Deparei-me com a “Micas Eletromecânica”, figura que
conheci pessoalmente e cuja fama gerava invejas e maledicência. O Professor
Rogério Santos, com base numa carta depositada na Torre do Tombo, conta a
história que aqui se reproduz.
O Electro-Mecânico ficava na rua de Santa Catarina, por cima
da confeitaria Atlântida. Lembro-me do cheiro a bolos que pairava naquele
primeiro andar onde conheci a Liliana de Abreu, a Maria do Carmo, o Álvaro
Pacheco e o Alfredo Alvela, mais tarde, meus colegas no Rádio Clube Português. Júlio
Guimarães, Fernando Gonçalves, António Batista, Henrique Geração, Aníbal
Barroso frequentavam, mais ou menos assiduamente, os estúdios sempre em
renovação. Manuel Moreira foi dos
primeiros a comprar equipamento Ampex, de qualidade top em material de gravação
de som.
Por tudo isto estou à vontade para dizer que a senhora em
questão tinha cultura suficiente para não cometer um erro tão crasso. A mesma
história foi-me contada em Lisboa, pessoalizando-a também numa voz feminina. A
cultura “marialva” aproveitava tudo para subalternizar o papel da mulher na
sociedade.
Como esta, há muitas histórias, mais ou menos anedóticas, como
a do locutor que se despiu na cabine enquanto fazia a emissão, na jornalista
que falava do rio Cavado, em vez de Cávado, ou da que esmiuçava o mapa de
África para descobrir onde ficava o apartheid.
A resposta de Rogério Santos não tardou.
Caro Rui de Melo, caro amigo. Eu procuro nunca especular sobre um
assunto de História. A minha fonte é uma carta depositada na Torre do Tombo,
datada e assinada. Logo, não deve (pode) ser ignorada. A hipótese mais extrema
de erro por parte de quem escreveu seria a de uma calúnia numa época de censura
e maledicência, mas parece-me pouco provável. Os outros exemplos não os
comento, por não possuir documentação adequada.
A maledicência era corriqueira em relação a quem fazia
rádio, cantava, fazia teatro ou tinha um qualquer destaque público. Embora
criança, acompanhei todo aquele ambiente feito de gente interessada,
interessante, mas com alguma megalomania que, frequentemente, revelava uma
ausência completa do sentido do ridículo.
A carta da Torre do Tombo é semelhante a tantas outras que
aliviava as frustrações de certa gente. Umas vezes escondiam-se no anonimato e
outras usavam nomes inventados. Era um fenómeno muito frequente.
Conhecedor dos cuidados criteriosos do Professor Rogério
Santos, achei por bem dar-lhe o meu testemunho.
A Laura Moreira, por viver em união de facto com o
proprietário Manuel Moreira, situação "escandalosa" para a época, era
uma mulher de iniciativa, invejada e muito criticada. Dirigia peças de teatro,
convidava autores, fazia adaptações de obras consagradas. Por lá vi gente dos
"Modestos" e do "Experimental". Eu próprio fui dirigido por
ela em papéis infantis de teatro radiofónico.
Quando o Electro-Mecânico deixou a Rua de Santa Catarina e
se mudou para D. João IV, ela resolveu não acompanhar a mudança porque, julgo
saber, não concordava com ela. E lá se recolheu na casa do Jardim de S. Lázaro
onde morava.
Lembro-me da sua figura a um tempo bonacheirona, mas
determinada na sua "autoridade". O pessoal que por lá passava
tinha-lhe respeito.
Finalmente, quero expressar a minha admiração, o meu
respeito e agradecimento pelo trabalho desenvolvido pelo Rogério. É um serviço
público que não há dinheiro que pague. Um grande abraço do
Rui de Melo
Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando
Pessoa
Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad
Pontificia de Salamanca
e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto
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