“Estética do erro”

 

“Estética do erro”

Alguns teóricos, como Emílio Prado, falam numa “estética do erro” (1989, p. 21)[1], uma expressão retirada do jazz e do improviso, como contraponto a uma leitura impecável, que – de tão perfeita – poderia ter um efeito distanciador no ouvinte. A “estética do erro” significa, mais do que cometer erros premeditados (ou seja, o jornalista de rádio ao escrever já calcula onde se vai enganar de propósito...), deixar campo aberto para que eles apareçam... naturalmente. O conceito pretende produzir uma “aproximação entre emissor e recetor, uma certa cumplicidade amigável e, em definitivo, uma humanização da expressão que favorece a criação de um clímax comunicativo” (Prado, 1985: 21, apud Meneses, 2012: 49)[2].

Quando se pede clareza, o jornalista vai provocar erros de leitura porquê? Diz a “estética do erro” que uma leitura perfeita pode ter um efeito distanciador no ouvinte. E a leitura com erros aproxima o ouvinte? Aliás se a estética é a filosofia da arte que, por sua vez, procura o belo nunca pode condescender com a provocação do erro.

Quando se espera credibilidade das notícias, a provocação do erro não a compromete? Se o jornalista se engana, tropeça nas palavras, acrescenta-lhe sons estranhos reúne condições para ser credível? Ou, pelo contrário, compromete essa credibilidade, provocando o erro, levando o ouvinte a rejeitar tal manifestação de insegurança que o faz pensar que quem assim age não sabe do que fala e, portanto, não interessa.

O que se exige é uma leitura coloquial, que transmita proximidade e que conquiste a confiança de quem ouve. Um impulso de afeto. A provocação do erro subverte a relação de naturalidade com o ouvinte.

Consequentemente, a eficácia da mensagem é grande se excluir o tom académico, doutrinário, palestrante que faz com que, em especial alguns comentaristas, apareçam ante o ouvinte como um mestre, um clérigo ou um juiz.

As notícias (género básico de informação) têm características peculiares na rádio. Reúne condições elementares de veracidade, novidade, atualidade e interesse geral, bem como as respostas às seis perguntas clássicas

quem?

O quê?

Quando?

Onde?

Como? e

por quê?

Concisão, frases curtas, preferir o presente ao passado, a voz ativa à passiva. Repetição pontual de tópicos numa redação em espiral. Às vezes, é necessário fornecer ao ouvinte pontos de referência. Se a notícia for longa, o lead pode ser repetido, resumido, entre os detalhes da exposição. O lead é a entrada ou o início de informações com seus principais dados resumidos. A voz do comunicador acrescenta um elemento pessoal e diferenciador. Também permite o uso de ênfases, pausas e mudanças no ritmo da leitura.


Exemplo de notícia em espiral

 


“A rádio não evoluiu; adaptou-se” (Meneses, 2012: 159). “Ou seja: a rádio, de ontem e até de hoje, pode definir-se como um conteúdo sonoro (palavra e/ou música) predeterminado por alguém (a direção de programas ou o autor) para ser ouvido (através de difusão hertziana terrestre ou outra, como o cabo, o satélite ou mesmo a Internet) por muitos (nos mais variados tipos de recetores), passivamente (o luxo é linear, irrepetível e não manipulável)” (ibidem, 2012: 162).

“O erro verbal é uma primeira dimensão do fator de clareza do som, que geralmente mostra um erro na leitura das notícias escritas anteriormente; mas também um defeito de articulação ou dicção, uma atitude insegura, uma formulação incorreta, complexa e confusa. Estes elementos questionam a formação profissional do jornalista, como se ele não dominasse todos os instrumentos de sua profissão. O ouvinte julga naquele momento a credibilidade daquele que não demonstra conhecer todos os elementos da sua tarefa profissional, com base num estímulo informativo, com uma má estrutura sonora, pouco inteligível ou pouco agradável ao ouvido” (Balsebre, 1994a: 56)[1].

Para um jornalista de rádio cujo instrumento principal é a sua voz, a articulação dos sons deve ser perfeita, pois implica que os seus recetores possam captar a mensagem em toda a sua extensão[2].

O jornalismo radiofónico não dispensa a objetividade e não aceita exageros de subjetividade. Tudo tem a ver com as características do suscetível de ser notícia, naturalmente, paredes meias com a linguagem utilizada pelo jornalista.

É verdade que da rádio se espera uma linguagem lúdica, afetiva, recriadora da realidade.

Luís Filipe Costa, nas conversas que fomos tendo, chamava-me a atenção para nunca divagar, concretizar, ir direto ao assunto. Com o tempo, fui aprendendo que devia trabalhar um texto dinâmico, na busca do concreto, com riqueza informativa e potencial afetivo, provocando recordações, emoções e sentimentos.

Barthes falava da característica polissémica do texto informativo que implica uma cadeia flutuante de significados entre os quais o recetor pode escolher uns e ignorar outros, é o fundamento textual da capacidade ressignificadora do recetor.

Há que escrever pensando numa perceção associativa, ou seja, o ouvinte associa sincronicamente vários códigos: imagem auditiva, palavra, som.

Sobre a eterna questão da objetividade nunca me deixei embalar na discussão do “sexo dos anjos”. A prática, os colegas e os ouvintes exigiam um comportamento preocupado com a verdade.  Sempre pensei que a veracidade se liga à pesquisa da verdade, ao caminhar na sua direção, fazer tudo para chegar lá. É a qualidade que distingue o jornalista responsável - ser credível perante o público.

Uma vez, estando de serviço em Sunderland, enviei uma crónica sobre um incidente num shopping, que envolvia jogadores da equipa que eu acompanhava. Filipe Costa disse-me, depois, que não tinha deixado ir para o ar a minha crónica. Concordei com ele porque, no “calor do momento”, eu tinha desprezado o princípio da imparcialidade. Aprendi com ele que não basta contar a verdade dos factos e ser objetivo. Se não for imparcial, tudo se desmorona. Objetividade, verdade (veracidade) mas também imparcialidade.

A garantia de imparcialidade começa na seleção do objeto relevante da informação determinada pelo direito do ouvinte a ser informado, não por interesses, favores ou privilégios. E, claro, com a apresentação de todos os pontos de vista, cuidando da neutralidade de seleção dos testemunhos.

Retomando o fio condutor, reconhecemos nas notícias na rádio (género básico de informação) características peculiares. Aí se encontram as condições elementares de veracidade, novidade, atualidade e interesse geral. Nunca consegui ver a informação fora de uma perspetiva estética. Rudolf Arnheim e a sua Estética Radiofónica ajudaram a reforçar ideias. A partir do intertexto teórico e estético dos anos 1930, começa uma fenomenologia precisa da rádio. Era McLuhan que falava sobre o "espaço acústico da rádio". O espaço de interação centralizado pelo narrador oral cria um ambiente intuitivo centralizador de um imaginário cultural. A oralidade mediada pela rádio, sem essa centralidade sensorial, tem que caminhar na partilha de uma imagem acústica criada no espaço acústico com as características de invisibilidade, simultaneidade, envolvimento, inclusão, integração, de modo a constituir o espaço como meio envolvente.

A noção de meios como extensão sensorial constituiu a grande hipótese que McLuhan explorou na questão fundamental: a mudança de perceção como possibilidade única que a cultura elabora para alterar os seus processos cognitivos.

Menezes diz que “Quase tudo se resume, na rádio, a falar e a escrever (e a ler, mas disso tratamos mais à frente) de modo a que o ouvinte nos entenda, de princípio a fim, com o mínimo de distração (o “ruído”).”[3]

É ele que afirma com propriedade que

o jornalismo – principalmente o da rádio – tem de ser direto, curto, incisivo e linear (sem que se torne básico ou vulgar).”

Credibilidade significa "tomar como certo algo que o entendimento não alcança ou que não está provado ou comprovado".

É muito importante acreditar que o que nos é dito é verdade, que as notícias e acontecimentos são verdadeiros e que quem nos comunica merece a nossa confiança.

Tendemos a acreditar no que está de acordo com as nossas próprias crenças, experiências, desejos, preconceitos ou esperanças e, portanto, colocamos a nossa confiança nos informadores que têm o nosso modo de pensar sobre diferentes aspetos da vida. Embora isso não signifique que os outros não sejam confiáveis, o nosso comunicador escolhido será mais aceite porque depositamos nele a nossa confiança. É por isso que a confiança é tão importante para se ganhar credibilidade, não apenas para alcançá-la, mas também para a manter.

Voltando à ideia inicial, se se pede clareza, o jornalista não pode provocar erros de leitura. Uma leitura perfeita tem um efeito de credibilidade no ouvinte. E a leitura com erros afasta o ouvinte. Aliás se a estética é a filosofia da arte que, por sua vez, procura o belo nunca pode condescender com o erro. A provocação do erro compromete a credibilidade das notícias. Se o jornalista se engana, tropeça nas palavras, acrescenta sons estranhos não reúne condições para ser credível. Ao comprometer essa credibilidade, leva o ouvinte a rejeitar tal manifestação de insegurança que o faz pensar que quem assim age não sabe do que fala e, portanto, não interessa.

 


Reflexões vertidas para aulas por

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

Referências

BALSEBRE, Armand, El lenguaje radiofónico, Madrid: Ediciones Cátedra

Díaz Rodríguez, La educación de la voz radiofónica,  Universidad de Sevilla. Departamento de Comunicación Audiovisual, Publicidad y Literatura, 2014

Meneses, João Paulo, “Estudos sobre a Rádio”, Mais Leituras Editora, 2012

Meneses, João Paulo, Jornalismo radiofónico, Formato eBook, 2016, dezembro

Prado, Emílio, Estrutura Da Informação R



[1] BALSEBRE, Armand, El lenguaje radiofónico, Madrid: Ediciones Cátedra

[2] Díaz Rodríguez, La educación de la voz radiofónica,  Universidad de Sevilla. Departamento de Comunicación Audiovisual, Publicidad y Literatura, 2014

[3] Meneses, João Paulo, Jornalismo radiofónico, Formato eBook, 2016, dezembro


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