Quando Bill Gates e outros se enganaram

 

Quando Bill Gates e outros se enganaram

 

Rui de Melo

Professor Associado, aposentado, da UFP

 

Resumo

Existem vários processos de digitalização de emissões de rádio, porém, os fundamentos técnicos do DAB, com os seus processos, as interfaces, a padronização, os serviços complementares e o sistema por satélite revelam o Digital Audio Broadcasting como aquele que apresenta mais vantagens e menos inconvenientes para os ouvintes. No entanto, a generalização da radionet leva a que comecem a aparecer pontos de vista a defenderem que está aqui o futuro da rádio. As últimas reuniões científicas que ocorreram na Península Ibérica foram reflexo destas preocupações em comunicações interessantes de figuras conceituadas do pensamento do meio rádio. Pretende-se perspectivar o que, sobre estas questões, esteve em debate nas Jornadas de Navarra, de Madrid e do Foro Digital. Com o aviso de que não se trata de uma análise profunda, mas apenas de umas quantas reflexões.

 

Quando Bill Gates e outros se enganaram

 

Contam que Natham Rotschild contratou um barco a vapor para presenciar a batalha de Waterloo. Terminada a refrega, foi o primeiro a chegar a Londres com a informação, que não deu a conhecer a ninguém. Mas fez um gesto aterrador: rematar rápida e publicamente as suas ações. Isto fez crer aos bolseiros — que sabiam de onde vinha Natham — que Napoleão tinha ganho. Entretanto, por portas travessas, os seus corretores compravam e compravam barato para ele no meio do pânico financeiro. No dia seguinte, quando chegou a verdadeira notícia, subiram as ações muito acima da cotização anterior à batalha. Então muitíssimas eram já de Nathan, incluindo as que vendeu e foram recompradas pelos seus agentes. Foi assim como se fundou o ramo Rotschild de Inglaterra: usando astuta e avessamente uma tecnologia novíssima — o barco a vapor — que lhe deu uma vantagem estratégica sobre os financistas rotineiros. Não sei se este episódio é verificável, mas é significativo que se conte, pois, se na época, a inovação tecnológica, ainda escassa, era estratégica, como será hoje, quando se moderniza a cada minuto?

Os portugueses ainda hoje têm bem presente o aval de um presidente da república à emissão de ações do BESCL. Na verdade, a subtileza da mensagem não dizia às pessoas para comprarem, mas se o presidente manifestava confiança, porque não comprar? Só que daqui não veio nenhum Rostchild mas vieram muitas vítimas distraídas pela ambiguidade da informação.

Por outro lado, está confirmado o episódio em que Napoleão recusou o invento da máquina a vapor. Também é verdade que a máquina a vapor foi inventada antes de Fulton, em 1543 por Blasco de Garay. Fez a sua primeira demonstração em Barcelona, mas o ministério da Fazenda, «seja por superstição ou outro motivo», conta Andrés Belo, não quis dar os fundos para o desenvolvimento desta tecnologia. Tanto Napoleão como Espanha pagaram caro esta imprevisão. É fácil imaginar como teria mudado a história se um qualquer deles tivesse adotado a máquina de vapor.

É o preço da arrogância desdenhosa de certas tecnologias. Mais próxima no tempo temos o caso do Presidente da Hewlet Packard perante Steve Jobs e Steve Wozniak, que pronunciou a famosa frase: «Quem quer um computador pessoal?» A administração da Xerox desdenhou igualmente o computador de interface gráfica que o seu laboratório de Palo Alto desenvolveu. Apple Computer adoptou essa tecnologia e criou a Macintosh, a partir da qual se expandiu a interface gráfica e tornou viável a World Wide Web.

Eis como a informação vale, sobretudo, pelo uso que o recetor dela faz. Quer o emissor manipule ou não os dados. Aconteça hoje ou há cem anos. Vamos sempre assistir a desencontros de análises, a verdades alternativas a não-factos. O recetor não se pode deixar enganar, exigindo a si mesmo o rigor que as fontes não lhe dão.

A rádio em DAB, por razões que têm a ver com a popularidade e penetração do meio, pode ser determinante na democratização dos meios digitais e informáticos criando condições para uma mais eficaz troca de informações e consequente comunicação. A digitalização em geral e a presença da rádio on line são aspectos evolutivos de uma situação e de um caminho que já vem de longe e que apenas exige um aperfeiçoamento processual.

Tenho defendido, e não vejo ainda razões para mudar de ideias que, não obstante existirem vários processos de digitalização de emissões de rádio, os fundamentos técnicos do DAB, com os seus processos, as interfaces, a padronização, os serviços complementares e o sistema por satélite revelam o Digital Audio Broadcasting como aquele que apresenta mais vantagens e menos inconvenientes para os ouvintes.

Philip Laven, Director Técnico da EBU/UER, ao expor a sua comunicação nas Jornadas de Nuevas Tecnologías[1], em Madrid, citou umas quantas evidências sobre projecções equivocadas do futuro por parte de personalidades de grande evidência. Assim, em 1885, Lord Kevin, reputado matemático e físico, afirmou com toda a convicção que era impossível que máquinas mais pesadas que o ar pudessem voar.

Bill Gates, em 1981, disse que com 640 Kb de memória os computadores satisfariam todas as necessidades, e sabe-se quantos “gigas” de memória já têm até as unidades portáteis. Depois, o mesmo Bill Gates disse que a Internet era uma questão de uma moda passageira que não tinha relação nem era pertinente para o seu negocio básico. Também os técnicos do projecto Eureka 147 DAB eram peremptórios, ainda nos anos 90, quanto à impossibilidade de digitalização das emissões em AM e FM. Entretanto, a DRM (Digital Radio Mondiale)[1] viu a própria International Telecommunications Union (ITU) aprovar o seu sistema digital de emissão on-air  para frequências abaixo dos 30 MHz (ondas longas, ondas mádias e ondas curtas) no passado dia 4 de Abril.

Perante prognósticos destes, é natural que sempre tenha usado de prudência quanto ao tempo de formação da massa crítica para a aceitação generalizada da rádio digital, muito especialmente na sua versão DAB.  Não há dúvidas de que a rádio digital vai ser um facto generalizável; o que falta saber é quanto tempo vão levar os consumidores a disponibilizarem-se, financeira e psicologicamente, para acederem às novas propostas de radiodifusão. Situação que nos remete para Markus pela relação que estabeleceu (em 1987) entre a massa crítica e as tecnologias de comunicação interactiva. Williams, F., Strover S., Grant, A. E.[2] citam-na no seu trabalho “Aspectos Sociais das tecnologias dos novos media”. Como se sabe, dentro de uma comunidade, a adopção de uma determinada tecnologia, como o telefone ou o correio electrónico, é uma proposta absoluta. Se se chega a uma massa crítica, todos os indivíduos de uma comunidade adoptarão eventualmente a tecnologia em questão, mas se a massa crítica não se chega a formar, o consumo baixará devido à falta de reciprocidade e, eventualmente, ninguém utilizará a tecnologia. Segundo Markus, citado por aqueles autores, quanto menos recursos (isto é, tempo, dinheiro e habilidade) são requeridos ao indivíduo para que se integre no uso de uma determinada tecnologia, maior é a probabilidade de conseguir a massa crítica que conduz a um acesso universal. No debate de distribuição de recursos através de uma comunidade, aquela autora indicou também que uma maior heterogeneidade de recursos dentro de uma comunidade, além de uma rápida adopção feita pelos indivíduos com altos rendimentos, aumentará a probabilidade de formar uma massa crítica[3]. É evidente que, por agora, o DAB e a rádio digital em geral ainda estão a dar os primeiros passos para possibilitar a formação da massa crítica de que fala Markus...

Os especialistas estudam a rádio digital

Já por diversas vezes referi a inevitabilidade do futuro ser digital, mas nunca me atrevi a “passar a certidão de óbito” ao analógico. Agora o que importa saber é como está a progredir o processo de formação de massa crítica para o lançamento definitivo da rádio digital e como disso se faz eco o meio científico.

Reuniões científicas que ocorreram na Península Ibérica revelaram posições interessantes de figuras conceituadas do pensamento do meio rádio. Vale a pena confrontar as posições que as Jornadas de Navarra, de Madrid e o Foro Digital puseram em evidência. Não é do âmbito deste artigo fazer uma análise tão profunda, embora seja possível deixar umas quantas reflexões.

Estávamos no início dos anos 2000. Faus Belau, nas XV Jornadas Internacionais de Comunicação da Universidade de Navarra[4], sob o título Reinventar a rádio, citava John Birt, ex director geral da BBC, na sua consideração do que é a era digital: “caracteriza-se por uma radiodifusão que precisa de pôr em antena  uma infinidade de  serviços que devem  estar à disposição dos ouvintes em qualquer momento”. 

Portanto, o digital não vai alterar a característica fundamental do meio rádio que assenta numa comunicação unidireccional. O que se está a passar é um alargamento de serviços radiofónicos. Mas a emissão analógica já tinha começado a permitir esse alargamento de serviços quando começou, nos finais dos anos 80 a incrementar o RDS, hoje universalizado, ou seja, com massa crítica perfeitamente consolidada.

O paralelismo com o FM

Faus remete para o que aconteceu em relação ao lançamento do FM em Espanha cujo período de implantação se prolongou por quase trinta anos. Aliás, Portugal teve um desenvolvimento mais interessante do FM graças à iniciativa desencadeada pelo Rádio Clube Português em 1963, ao lançar uma programação autónoma em FM (em Espanha, tal só aconteceu nos anos oitenta com a Onda Cero). Mesmo assim, também só nos anos oitenta é que o FM se generalizou e ultrapassou a Onda Média.

Recordando tempos idos, é interessante passar uma vista de olhos pelo que ouvia em Portugal no fim dos anos 60 quando ainda imperava a Onda Média e o FM era uma inovação só com o entusiasmo do Rádio Clube Português pois as outras empresas não ousavam criar emissões autónomas, limitando-se a repetir o transmitia a Onda Média.

 



[1] DRM (Digital Radio Mondiale): http://www.drm.org/system/globsample.htm

[2] Williams, F., Strover S., Grant, A. E., 1994: 624.

[3] Massa crítica é um conceito dos físicos adoptado pelos cientistas sociais para se referirem ao número de indivíduos que precisam de ser envoltos num movimento social antes que se efectue uma “explosão” que faça com que este movimento social se materialize, conforme Olivier, Marwell e Teixeira, 1985:522 a 556.

[4] XV Jornadas Internacionales de a Comunicación, Reinventar a Rádio, Universidade de Navarra: http://www.unav.es/fcom/jornadas2000/Ponencias/ponfaus.htm

                                                       CLASSE SOCIAL

 

Totais

Alta

Média Alta

Média Baixa

Baixa

Parodiantes de Lisboa

27.6

9.4

14.5

27.9

31.4

Teatro radiofónico

22.4

9.7

18.5

20.5

26.7

Música portuguesa

18.3

18.8

21.2

19.5

17.6

Folclore português

15.0

4.8

9.1

10.9

17.6

Quando o telefone toca

11.8

1.6

4.4

2.2

3.8

Folhetins

11.0

2.1

9.5

12.1

10.6

Desporto

10.7

4.8

5.6

10.7

11.1

Fados

10.6

5.7

5.8

7.3

12.6

Música erudita

2.7

21.8

12.4

4.1

1.0

Quadro 12: programas preferidos em relação à audiência de véspera (1969)[6]. 

Dez anos depois, com a nacionalização da rádio e o favorecimento da Rádio Renascença com a atribuição da RFM, o panorama apresentava alterações a que se ligavam não só a componente técnica, mas também o quadro socioeconómico resultante do 25 de Abril.

Quadro 13: Fonte: Gabinete de Estudos de Radiodifusão (RDP), 1978

Os dois quadros que aqui se apresentam remontam a épocas e a motivações diferentes da que me leva aqui a mostrá-los. No entanto, é possível, através deles, verificar a dificuldade de afirmação do FM em Portugal nas décadas de 60 e 70.

No quadro dos programas preferidos em 1969, nenhum deles tem transmissão exclusiva em FM. Por aproximação, podemo-nos fixar na música erudita que, mesmo assim, também era transmitida em AM. No entanto, dada a especificidade do seu auditório, pode aceitar-se que o FM era a onda preferida para a sua audição (2.7%).

Igualmente, em relação aos emissores que se escutam habitualmente em 1978, os cálculos têm de ser feitos por aproximação uma vez que uma parte significativa da audiência não sabia se ouvia em FM ou em AM. De qualquer das formas, são dois indicadores, muito ligeiros. No entanto, já é possível definir um grande incremento do FM que já encontra aceitação declarada em quase 30% do auditório de rádio.

Foi preciso esperar pela década de 80 para que o FM suplantasse definitivamente a AM. Os tempos eram outros e tudo corria mais devagar. Cheguei a pensar que não devia ser necessário esperar 20 anos para que o uso do DAB e de outras tecnologias de transporte de sinal digital se generalizassem.

Por outro lado, o que poderá vir a distinguir o digital é uma certa abertura a uma interactividade mitigada que terá a dimensão que os fabricantes de receptores (em termos de computadores multimédia, o problema está resolvido) e as empresas de radiodifusão desejarem. Se estivermos perante uma rádio nova, então a sua relação com o ouvinte altera-se, passando este a ter um papel não de exclusão, mas de inclusão no processo comunicativo.

Aquele tão longo período de formação de massa crítica para o FM, apesar de tudo, teve como base o lançamento de uma tecnologia barata. Ora o Digital Audio Broadcasting, DAB, sendo uma tecnologia cara, é de serviço gratuito. A rádio on line é barata, não precisa de licenças mas tem de pagar o tempo de utilização da linha telefónica e tem de ter computador (que também não é barato).

Temos então três aspectos a ter em conta para a formação de massa crítica: o custo da tecnologia para o operador, o preço dos receptores DAB para os consumidores (equivalente ao preço de computadores que fazem muito mais coisas) e a despesa da linha telefónica para os utilizadores da rádio on line. Acrescente-se que a rádio vale pela sua mobilidade, é portátil, e ainda tem a possibilidade de ser ouvida em computador via hertziana.

 




Figura 1: Cobertura DAB em todo o mundo (Fonte: WorldDAB[7])

 

Temos então três aspetos a ter em conta para a formação de massa crítica: o custo da tecnologia para o operador, o preço dos recetores DAB para os consumidores (equivalente ao preço de computadores que fazem muito mais coisas) e a despesa da linha telefónica para os utilizadores da rádio on line. Acrescente-se que a rádio vale pela sua mobilidade, é portátil, e ainda tem a possibilidade de ser ouvida em computador via hertziana.

A rádio, a Internet, a mobilidade e o princípio “free on air

Voltando a citar Faus, e considerando que os Estados Unidos são sempre um ponto de referência a ter em conta, em 2000, pela primeira vez na história dos americanos, o número de lares com computador e acesso à Internet superou em dez pontos o número de assinantes de jornais: 52% e 42%, respectivamente. O que faz com que, aliado a dados do mercado espanhol, Faus entenda que a rádio on line se revele com uma audiência potencial importante, em crescimento acelerado. Note-se que, em Portugal, possuem computador em casa mais de 37% dos portugueses[8].

No entanto, o reino da mobilidade já não é domínio exclusivo da rádio. Em 2000, em Amsterdam, durante o Congresso Internacional de Radiodifusão, equiparam-se vários “eléctricos” com televisão móvel e ela funcionou impecavelmente. Portanto, o que começa a ficar claro é que não vai prevalecer nenhum sistema nem nenhum meio em relação ao outro, e a convergência acabará por ser mais um sistema. Aliás na sequência do que, nas Jornadas das Novas Tecnologias da RTVE, em Madrid, foi afirmado por Philip Laven, Director Técnico da EBU/UER: “Haverá muitos sistemas para entregar serviços e todos competirão entre si”.

Por exemplo, em relação ao computador, a Sonicboxn iM surgiu como receptor remoto da rádio on line , com transmissão na banda dos 900 MHz até ao equipamento áudio ou ao walkman. Evidentemente que o equipamento era muito mais barato que o DAB, embora faltando contabilizar o preço da utilização dos circuitos.

Vem desse tempo de início de milénio o entusiasmo de Faus Belau pela radionet, levando-o a afirmar que a “emissora na rede pode proporcionar todos os serviços oferecidos pela Internet e .../... todos aqueles serviços que se incluam na rede no futuro, serão sempre pelo mesmo custo mínimo”. Sendo uma verdade evidente, o certo é que a radionet terá sempre um custo que se prolonga pela sua utilização. A rádio em DAB não apresentaria este ónus, mantendo as características de gratuitidade e de simplicidade de utilização que sempre caracterizou a rádio e com uma qualidade de som CD.

"O princípio do "free-to-air" aliado ao baixo custo de entrada no mercado alimentou o crescimento da rádio na última década. Qualquer diluição daquele princípio em relação a serviços essenciais pode afectar seriamente o crescimento do DAB e ameaçar as necessidades e os valores da Sociedade da Informação. Ao mesmo tempo, os radiodifusores deveriam ser dotados de capacidade suficiente para o fornecimento de serviços de dados para as suas audiências de massa[9]".

 

A Comissão Europeia mostrava, assim, em 1998, aquilo que se mostrava com mais evidência ao reforço do papel da rádio na sociedade da informação. Na verdade, do meu ponto de vista, a rádio digital, nomeadamente na sua versão DAB, pela popularidade que o meio desfruta, pela sua simplicidade de utilização e pela intimidade com o receptor, poderia ter sido um factor muito poderoso para uma participação generalizada na sociedade da informação.




Figura 2: Portugal chegou a ter esta cobertura em DAB (Fonte: Worldab). Hoje está tudo desligado, na sequência da absorção da RDP pela RTP.

Importa deixar claro que a rádio, por definição, é um meio de comunicação social, e os mass media, para o serem, continuarão a constituir "instrumentos ou aparelhos técnicos mediante os quais se difundem mensagens — pública, indirecta e unilateralmente — a um público disperso", conforme a célebre definição de Paul  Ricoeur e que remonta a 1977[10], mesmo com a interactividade que as novas tecnologias permitem.

Enfim, a Internet pode conter a rádio, os jornais e a televisão, mas igualmente é verdade que, pelo menos, a rádio e a televisão digitais também podem conter a Internet. E será mais natural que a adesão popular vá mais por sistemas free on air do que por quaisquer outros que exijam fixidez ou pagamento por utilização. E isto até por razões de mobilidade da civilização actual, com grandes espaços de tempo passados em deslocação de uns locais para outros.

Quando os especialistas se enganam

Voltando à citação de famosos erros de projecção lembrados por Philipe Laven[11], em 1876 os responsáveis pelos serviços de telégrafo da Western Union, defenderam que o telefone tinha demasiadas desvantagens e limitações para ser encarado a sério como um como forma de comunicação. Ken Olssen, da Digital Equipment Corporation (mais tarde adquirida pela Compact) disse em 77 que no havia motivo algum para as pessoas terem um computador em casa. Em 1946, no advento da TV nos Estados Unidos, Darryl Zanouk, presidente da Twenty Century Fox, afirmava que a televisão não podia reter e fidelizar o mercado além de seis meses porque as pessoas rapidamente se cansariam de estar a olhar para a “caixa tonta” todas as noites. Um dos Warner Brothers, a propósito do aparecimento do cinema sonoro, disse, em 1927: “A quem é que vai interessar ouvir como falam os actores!” 

Depois de todas estas projecções falhadas, não quero contribuir para tão vasta lista. Porém, no que à rádio diz respeito, e depois de 36 anos de uma vida profissional intensa naquele meio de comunicação, julgo não andar longe da verdade quando afirmava na minha tese de doutoramento que a rádio em DAB se apresenta, no dealbar do século XXI, como uma criação da cultura europeia com a previsão de grande importância (ainda insondável nas suas consequências) para a sociedade da informação em construção.

Por outro lado, o exemplo pioneiro português da Rádio Comercial na Internet parece ter representado uma experiência do que as auto-estradas da comunicação podiam abrir à rádio digital[1]. A RDP, por sua vez, desenvolveu, na altura, o seu site por forma a potenciar um conjunto atractivo de serviços aos utilizadores. Hoje está perfeitamente vulgarizada a presença de rádios portuguesas na Internet. E está a verificar-se que o mundo é o limite para as rádios que conhecem as potencialidades das novas tecnologias. A Internet, sendo importante, não vai substituir a radiodifusão. Mas tal como outros meios e outros serviços, também a radiodifusão continuará a recorrer à Internet e até poderá introduzir alguns dos seus sites nas emissões em DAB.

No actual momento da rádio digital, convivemos com situações de confronto entre projectos, entre indústrias, entre mercados, entre conceitos, entre radiodifusores, entre média e multimédia (e hipermédia), entre políticas de desenvolvimento, entre a localização e a globalização, entre perspectivas de exercício da profissão de comunicador (jornalista incluído), enfim, entre valores.

Face a todas estas discussões, a questão dos conteúdos corre o risco de ser subalternizada, o que deita por terra toda e qualquer inovação tecnológica. Se, de alguma forma, o poder está na técnica e nas constantes inovações que apresenta, não podemos deixar a informação tornar-se num subproduto tecnológico, levando-nos a consumir técnica e não informação e, menos ainda, comunicação. Onde está o interesse de consumir técnica sem lhe corresponderem conteúdos interessantes? Ou regressamos à discussão inacabada do design sobre se o que deve prevalecer é a forma ou a função?

Para Merayo[2], a aposta nos conteúdos parece decisiva para o desenvolvimento da rádio digital e da rádio na Internet; “provavelmente esta aposta há de ir acompanhada também de um decidido empenho em melhorar a formação dos profissionais. E concluiu a sua comunicação “Por eso, y como reflexión final, la pregunta que podemos hacernos, no sin cierto matiz irónico es: ¿Nos decidimos a reinventar la radio o seguimos discutiendo de tecnología?”

 



[1] Melo, R., 1999, O Digital Audio Broadcasting: implixcações nos conteúdos radiofónicos, tese de doutoramento in UPSA, Salamanca.

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

 

 

 

 

Bibliografia

Beltrão e Quirino, Luiz e Newton Oliveira, 1986, Teoria da Comunicação de Massa, Summus Ed., São Paulo.

Faus Belau, A., 2000, Reinventar a Rádio, in XV Jornadas Internacionales de a Comunicación, Reinventar a Rádio, Universidade de Navarra: http://www.unav.es/fcom/jornadas2000/Ponencias/ponfaus.htm

Kozamernik, Frank, 2000, O progresso mundial em Digital Audio Broadcasting DAB, European Broadcasting Union World DAB Forum: - www.worlddab.org ou kozamernik@ebu.ch

Laven, P., 2001, Ponencia, XV Jornadas Internacionales de a Comunicación, Reinventar a Rádio, Universidade de Navarra:

 http://www.unav.es/fcom/jornadas2000/Ponencias/ponfaus.htm

Maia, José Matos, 1995, Telefonia, Círculo de Leitores, Lisboa.

Martinez-Costa, Maria del Pilar, 1994, Transformaciones de la radiodifusion en Europa: escenário para la introducción de la radio digital por satelite, Dep. De Cultura y Comunicación Audiovisual, Fac. De Ciencias de la información, Universidad de Navarra, Pamplona.

Melo, R., 1999, O Digital Audio Broadcasting: implicações nos conteúdos radiofónicos, tese de doutoramento in UPSA, Salamanca.

Melo, R., 2000, Rádio Digital: as alternativas de soluções..., in “III Congresso Internacional Cultura y Medios de Comunicación, Publicaciones Universidade Pontificia de Salamanca, Salamanca.

Merayo Pérez, A., 2000, Formação, novos conteúdos e criatividade sonora: apostas para um tempo de incerteza tecnológica, in XV Jornadas Internacionales de a Comunicación, Reinventar a Rádio, Universidade de Navarra: http://www.unav.es/fcom/jornadas2000/Ponencias/ponfaus.htm

Williams, F., Strover, S. e Grante, A. E., 1994, “Aspectos sociales de las tecnologías de los nuevos media”, in Los efectos de los medios de comunicación (trad. Espanhola), Ed. Paidós Ibérica, Barcelona.

 

Endereços electrónicos

DRM (Digital Radio Mondiale): http://www.drm.org/system/globsample.htm

Jornadas de Nuevas Tecnologías: http://www.rtve.es/eventos/jornadas/indice.html  

Jornada Técnica con las CCAA, Organizada pela Asociación "Foro de la Radio Digital", no hotel Eurobuilding, em 15 de Março de 2001: http://www.rtve.es/dab/infor.html

Marktest: http://www.marketest.pt/Informacao/Bareme-Internet/Resultados/dados2000-1.htm

WORLD DAB FORUM - www.worlddab.org

XV Jornadas Internacionales de a Comunicación, Reinventar a Rádio, Universidade de Navarra: http://www.unav.es/fcom/jornadas2000/Ponencias/ponfaus.htm



[1] Jornadas de Nuevas Tecnologías: http://www.rtve.es/eventos/jornadas/indice.html  

[2] DRM (Digital Radio Mondiale): http://www.drm.org/system/globsample.htm

[3] Williams, F., Strover S., Grant, A. E., 1994: 624.

[4] Massa crítica é um conceito dos físicos adoptado pelos cientistas sociais para se referirem ao número de indivíduos que precisam de ser envoltos num movimento social antes que se efectue uma “explosão” que faça com que este movimento social se materialize, conforme Olivier, Marwell e Teixeira, 1985:522 a 556.

[5] XV Jornadas Internacionales de a Comunicación, Reinventar a Rádio, Universidade de Navarra: http://www.unav.es/fcom/jornadas2000/Ponencias/ponfaus.htm

 

[6] Maia, 1995: 322.

[7] WORLDDAB FORUM - www.worlddab.org.

 

[8] Conforme o Bareme Internet em http://www.marketest.pt/Informacao/Bareme-Internet/Resultados/dados2000-1.htm

[9] Subcomissão DGXIII e DGX, Bruxelas 1998 (in WorldDAB Forum: - www.worlddab.org.

[10]  Citado por Beltrão e Quirino, 1986: 117.

[12] Melo, R., 1999, O Digital Audio Broadcasting: implixcações nos conteúdos radiofónicos, tese de doutoramento in UPSA, Salamanca.

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