UMA RÁDIO DE ESTIMAÇÃO

 

Eu, voz e a rádio

Eu(fonia), voz e a rádio

 

Introdução

Aos cinco anos, o meu pai pegou em mim e pôs-me em cima de uma cadeira para poder chegar ao microfone, na cabine do Portuense Rádio Clube. Fazia o papel de um menino mordido por um cão raivoso, mas salvo pela vacina inventada por Pasteur. Corria o ano de 1947 e a avenida Rodrigues de Freitas funcionava como uma espécie de placa giratória para fazer rádio. Ao virar da esquina, na Duque Loulé, estava o Rádio Clube do Norte que de clube só tinha o nome. Depois, chegava-se à Praça da Batalha. Em Santa Catarina, depois da Rua Firmeza, ficava o Electro-Mecânico. Se descêssemos Santo António, subíamos os Clérigos e estávamos na Rádio Porto. Subindo mais um pouco era a Praça Carlos Alberto que dava acesso a Cedofeita onde estava a ORSEC. Na Alferes Malheiro fica a Ideal Rádio. Cada uma destas rádios tinha os seus estúdios e com personalidades que faziam questão de se afirmar como mentores das suas rádios. Todos se conheciam e todos rivalizavam com aspetos específicos das suas programações. Menino não impressionável pelos microfones, era solicitado a participar em peças de teatro radiofónico, fazendo sempre papéis infantis.

As vozes da rádio também cantavam. O Fernando Rocha cantava Charles Trenet, Júlio Guimarães, notabilizava-se no tango, lembrando Carlos Gardel, Ferreira da Cunha com os boleros e, para ficar por aqui, o Fernando Tavares era o Tino Rossi português. Os programas ao vivo faziam parte da programação da rádio dos anos 40. O meu pai, Benjamim de Melo, estava sempre ligado às respetivas produções e apresentação dos artistas participantes. Eram espetáculos que não só ocorriam nas instalações das estações, mas se repartiam por salas de espetáculos, espaços ao ar livre como as Caldas de Vizela, o Parque das Camélias ou o Palácio de Cristal, por exemplo.

A introdução do meio nas residências impulsionou a indústria cultural, ligada à programação e ao mundo artístico, e a indústria do desenvolvimento de tecnologia de rádio, com inúmeras melhorias técnicas. Também abriu as portas para um universo relativamente novo (que se desenvolveu lentamente na imprensa escrita): a indústria da publicidade não apenas a que estava limitada ao próprio ambiente, mas também a referente a toda uma gama de bens de consumo que mudariam os costumes e os modos de vida diários como os dentífricos, os detergentes, os frigoríficos, os fogões elétricos ou os ferros de engomar. Eram muitas novidades que penetravam nos hábitos de vida da sociedade da época.

Quando cheguei aos treze anos, a voz começou a engrossar, o teatro radiofónico ia sofrendo a concorrência folhetinesca do “Teatro Tide” e ia rareando nas rádios da minha cidade. O meu pai tinha optado por deixar a rádio e abraçar a publicidade. Enfim, julgava ter acabado a minha passagem pela rádio. Mas, bem dentro de mim, embora dissesse à minha mãe que queria estudar direito, o meu desejo era fazer rádio. E o caminho foi-se fazendo caminhando. A Só-Rádio, agéncia de publicidade, tinha, em 1955, ficado com a concessão de publicidade do S. João das Fontaínhas. Aí começava a minha vida de locutor. Não considero que tenha sido um início profissional, embora tenha sido remunerado.

Entretanto, o Portuense Rádio Clube suspendeu as emissões para nunca mais as retomar, era a estação CSB6. As outras rádios do Porto juntaram-se nos Emissores do Norte Reunidos. O emissor situava-se em Canidelo e foi adquirido um modelo Collins de 10 KW, uma maravilha naquela época. Os estúdios concentraram-se num edifício da Rua D. João IV e distribuía-se por três pisos com um estúdio de emissão e dois para gravações. Foi adquirido material da melhor qualidade.

Passei pela instalação sonora do Teatro Sá da Bandeira, onde lia publicidade nos intervalos das peças de teatro, por outras instalações sonoras e fiz duas Voltas a Portugal, integrando a caravana publicitária. Aí conheci Aurélio Carlos Moreira que me integrou no Passatempo para Jovens, programa de rádio começado nos Associados de Lisboa e integrando posteriormente a programação da Renascença. Voltava a aproximar da rádio a minha relação com o microfone. Era o tempo do rock com Elvis Presley, Paul Anka ou Pat Boone. Os jovens repartiram as suas preferências por estes três rockers com concursos de popularidade promovidos pelo Aurélio nos seus programas.

O meu avô, Mário de Mello, que trabalhava nos Emissores do Norte Reunidos, deu-me a novidade que a Rádio Porto ia promover um concurso para locutores e era uma boa oportunidade para mim. Fiquei em primeiro lugar e, em 1 de outubro de 1960, iniciava, com 17 anos, a minha carreira profissional como locutor. Com trabalho três dias por semana auferia o vencimento de 600 escudos (ou seja, 3 euros). O meu avô, que trabalhava todos os dias, ganhava 1.500 escudos (7 euros e meio). O meu pai, que se dizia ter um excelente ordenado, vencia 3 mil escudos (15 euros) mais 100 escudos por dia para despesas de representação sempre que andava em viagem de trabalho. Para possibilitar uma comparação, o preço da gasolina era 5 escudos por litro (2,5 cêntimos de euro). Uma vez que hoje, o mesmo produto ronda os 1,6 euros, fazendo as contas, conclui-se, de forma muito simplista que o custo de vida cresceu 64 vezes. O que quer dizer que ganhava o equivalente a quase 200€. Dava para pagar as propinas, comprar os livros, vestir, calçar, ir ao cinema e começar a pôr qualquer coisa de parte para quando fosse para a tropa. Pouca ambição, mas correspondente à realidade vivida. Meses depois alarguei a minha atividade a outras estações radiofónicas até que surgiu, em finais de 1961, a possibilidade de concorrer ao Rádio Clube Português, há três anos instalado no Porto. Era uma referência nova e de grande prestígio. O emissor de 100 KW, implantado em Miramar, cobria todo o país. Os estúdios ocupavam um 6º andar na Rua de Ceuta. Sonho de qualquer profissional da cidade não admira que o concurso tivesse sido duríssimo e muito disputado. Fiquei em primeiro lugar, entrei em janeiro de 1962 para os quadros do Rádio Clube Português. A partir daqui, acreditei que nunca mais podia parar com a consciência de que nunca podia abrandar os esforços de estudo, de alargar o conhecimento, de autocrítica.

E agora a rádio vê-se ultrapassada pelo espetáculo e pelas ofertas televisivas. A televisão ganha terreno, não só do espetáculo, mas mesmo da informação dos grandes factos. A rádio contenta-se em ser a primeira, mas é superada pela imprensa no aprofundamento e é superada pela televisão no espetáculo.

A rádio está submetida a tensões novas. Entra em competição com a televisão e com a Internet que por sua vez se integra nos novos consórcios para desenvolver novas estratégias empresariais. A rádio cada vez mais deixa de ser um meio isolado, gerido por uma empresa e passa a integrar-se num conjunto amplo de meios geridos por uma empresa ou por um consórcio de empresas nacionais e internacionais. A rádio perde autonomia e integra-se em sistemas empresariais e de ofertas de conteúdos multimédia.

Conteúdos diferenciados e atrativos. Enquanto a situação se mantém sem avanços, indo pouco além da experimentação. Tudo isto é recente. Há já algumas ofertas concretas, outras em fase de experimentação e outras em simples projetos.

Isto é, encontramo-nos em plena evolução. Há que esperar desenvolvimentos específicos, que se consolidem e os rumos que cada modalidade comunicativa adote.

Neste ambiente, a rádio ocupa um lugar privilegiado para se manter de maneira competitiva e de serviço à sociedade. Continua a ser o meio mais implantado nas sociedades desenvolvidas e subdesenvolvidas, o de maior penetração mundial. É um meio de baixo custo na rede técnica, na produção e na difusão. E, sobretudo, continua a ser o meio gratuito para chegar a todos.

Os movimentos de rádios livres e comunitárias da década de sessenta (em Portugal nos anos 80) puseram o acento na conceção plena da rádio como «meio pobre» e fragmentado: era preferível dispor de 30 emissoras de 10 Kw a uma só de 100 kw.

A produção é de custo sumamente flexível. Pode ir desde os baixíssimos custos das rádios comunitárias e de intercomunicação social, de participação de cidadania até aos elevados custos das rádios fortemente competitivas com coberturas de grandes acontecimentos nacionais e internacionais, subscritos em grandes agencias e com diversidade de correspondentes internacionais.

Não são precisas conexões, nem equipamentos de alto custo. Pode ser ouvida nos telemóveis (dispensando os ultrapassados recetores a pilhas) que são acessíveis a todos os públicos. O seu ponto forte continua a estar no acompanhamento do homem itinerante em automóvel ou transporte público. É um equipamento de bolso que com uns simples auriculares pode seguir-se em qualquer situação.

Tal flexibilidade encontra-se também nos conteúdos. A rádio foi usada nas ditaduras para fins propagandísticos e de submissão aos controles e ideias políticas, mas também serviu como impulso para a libertação dos povos, como ponto de convocatória para a revolução. Usa-se com objetivos comerciais, de negócio e também com fins de serviço social, educativo e cultural. Incorpora a reportagem em direto ou elaborada em diferido e o entretenimento musical e de concursos. A história demonstrou que não há limite algum para os conteúdos mas tendências e relevância de uns sobre outros segundo cada época e cada país.  

A rádio nasceu como emissora de cobertura reduzida que, se quis crescer empresarialmente se foi organizando em cadeias. Este tem sido o desenvolvimento tradicional.

Vislumbra-se uma rádio em que, por um lado, se incrementam as transformações da rádio tradicional: inovação tecnológica, reorganização empresarial permanente, concentração dos canais generalistas nos mesmos temas e nas mesmas franjas horárias juntamente com o incremento, embora lento, da especialização e, por outro, assiste-se à presença de modalidades totalmente novas: rádio digital terrestre, rádio por Internet, rádio por satélite, rádio integrada nas ofertas das plataformas de comunicações, formas alternativas à rádio de consumo de música mediante os reprodutores de bolso, audições e venda de álbuns ou de canções pela Internet.

A rádio está envolvida em novos processos. Por um lado, sofre uma enorme transformação interna e, por outro, liga-se aos processos técnicos e comunicativos gerais e globais. Pela primeira mutação, a rádio renova a sua capacidade de produção, amplia a sua ação difusora das transmissões analógicas às digitais nos três sistemas de difusão e gera novas maneiras de receber os seus conteúdos pelas audiências. Pela segunda mutação, a rádio aparece simultaneamente noutras ofertas como na Internet, no telefone móvel de terceira geração e integra-se em pacotes de conteúdos juntamente com a televisão, telefone, Internet e bancos de dados em plataformas de comunicações.

A rádio digital requer novos recetores. Por um lado, recetores específicos e, por outro, emergem recetores integrados em terminais multimédia. Tanto uma solução como outra gera múltiplos problemas. É precisamente o que está a atrasar o processo. Os fabricantes não industrializam os equipamentos porque não há compradores; não há compradores porque não há ofertas atrativas; não há ofertas porque as empresas não descortinam o mercado.

Descobriu-se a interconexão para emitir em cadeia. De facto, o que tem prevalecido na imensa maioria dos países é a conceção da rádio em rede com algumas conexões ao longo do dia para as coberturas regionais e locais; não obstante, sempre vão resistindo redutos de emissoras isoladas para cobrir âmbitos locais ou prestar serviço a pequenos grupos.

A rádio digital poderá alterar toda esta situação. É uma rádio por blocos que liga até seis emissoras de cobertura estatal simultânea nuns casos sem desconexões e noutros com desconexões. É preciso esperar o desenvolvimento da rádio digital terrestre para ver o que acontece nos âmbitos de cobertura e funcionamento exclusivamente locais. Em Portugal, o processo está encerrado; fecharam os emissores digitais.

A rádio do futuro, por mais inovações técnicas que introduza, vai continuar a assentar na comunicação oral com a audiência, na magia da palavra, da música, dos sons de ambiente, do silêncio. É o contacto humano através dos sons para combater a solidão, para acompanhar, para informar, para entreter e, em suma, para ir mantendo o ser humano ligado ao elemento primeiro e de maior riqueza ao longo da sua história como é a tradição mediante a comunicação oral; a rádio transformou-se na amplificadora de tal tradição e na adaptação às novas situações e necessidades.

A rádio vai continuar a ser o grande meio da informação para os assuntos imprevistos, cataclismos, eventos desportivos, espetáculos musicais, contacto com o homem comum, com a vida quotidiana das pessoas como companhia e como transmissão de conhecimentos.

Trabalhei na rádio até 1996 e no ensino secundário e superior (sempre ligado à comunicação social, desde 1978, intermitentemente até 1996). A partir de novembro deste ano até outubro de 2013, lecionei na Universidade Fernando Pessoa.

Pelo caminho houve passagens pela imprensa e pela televisão. Em 1986, licenciei-me em Direito na Universidade Católica do Porto. Quando me fui candidatar, em 1997, ao doutoramento em Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca, a professora doutora Maria Rosa Pinto Lobo, diretora do curso, pediu o meu curriculum. Ao lê-lo, não hesitou em admitir-me de imediato. Em 2000 tornava-me doutor em Periodismo y Ciencias de la Información.

 “A rádio na sociedade da informação” foi o livro que publiquei como resultado da tese por mim defendida. Regularmente tenho sido desafiado a escrever mais livros sobre temas relacionados com a rádio. Fiquei pelos artigos científicos e pelas participações em Congressos, seminários, conferências e workshops. O meu amigo e velho companheiro de lides jornalísticas e docentes, Joaquim Fernandes, cada vez que nos encontramos, alerta-me para a “obrigação” de eu partilhar a minha experiência em obras disponíveis para todos. Em colegas professores, em antigos alunos a “exigência” tem-se mantido ao longo dos anos. Na família também, sobretudo o meu irmão Jorge de Melo, também ele doutor em ciências da comunicação.

Vou então submeter-me a esse “exame”. Esta a razão de “Eu, voz e a rádio”. É também um desafio que lanço a profissionais e outros estudiosos, para que discutam o tema, para que alarguem a sua investigação, enfim, para que completem esta obra necessariamente inacabada..


Rui de Melo


Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

“Estética do erro”

 

“Estética do erro”

Alguns teóricos, como Emílio Prado, falam numa “estética do erro” (1989, p. 21)[1], uma expressão retirada do jazz e do improviso, como contraponto a uma leitura impecável, que – de tão perfeita – poderia ter um efeito distanciador no ouvinte. A “estética do erro” significa, mais do que cometer erros premeditados (ou seja, o jornalista de rádio ao escrever já calcula onde se vai enganar de propósito...), deixar campo aberto para que eles apareçam... naturalmente. O conceito pretende produzir uma “aproximação entre emissor e recetor, uma certa cumplicidade amigável e, em definitivo, uma humanização da expressão que favorece a criação de um clímax comunicativo” (Prado, 1985: 21, apud Meneses, 2012: 49)[2].

Quando se pede clareza, o jornalista vai provocar erros de leitura porquê? Diz a “estética do erro” que uma leitura perfeita pode ter um efeito distanciador no ouvinte. E a leitura com erros aproxima o ouvinte? Aliás se a estética é a filosofia da arte que, por sua vez, procura o belo nunca pode condescender com a provocação do erro.

Quando se espera credibilidade das notícias, a provocação do erro não a compromete? Se o jornalista se engana, tropeça nas palavras, acrescenta-lhe sons estranhos reúne condições para ser credível? Ou, pelo contrário, compromete essa credibilidade, provocando o erro, levando o ouvinte a rejeitar tal manifestação de insegurança que o faz pensar que quem assim age não sabe do que fala e, portanto, não interessa.

O que se exige é uma leitura coloquial, que transmita proximidade e que conquiste a confiança de quem ouve. Um impulso de afeto. A provocação do erro subverte a relação de naturalidade com o ouvinte.

Consequentemente, a eficácia da mensagem é grande se excluir o tom académico, doutrinário, palestrante que faz com que, em especial alguns comentaristas, apareçam ante o ouvinte como um mestre, um clérigo ou um juiz.

As notícias (género básico de informação) têm características peculiares na rádio. Reúne condições elementares de veracidade, novidade, atualidade e interesse geral, bem como as respostas às seis perguntas clássicas

quem?

O quê?

Quando?

Onde?

Como? e

por quê?

Concisão, frases curtas, preferir o presente ao passado, a voz ativa à passiva. Repetição pontual de tópicos numa redação em espiral. Às vezes, é necessário fornecer ao ouvinte pontos de referência. Se a notícia for longa, o lead pode ser repetido, resumido, entre os detalhes da exposição. O lead é a entrada ou o início de informações com seus principais dados resumidos. A voz do comunicador acrescenta um elemento pessoal e diferenciador. Também permite o uso de ênfases, pausas e mudanças no ritmo da leitura.


Exemplo de notícia em espiral

 


“A rádio não evoluiu; adaptou-se” (Meneses, 2012: 159). “Ou seja: a rádio, de ontem e até de hoje, pode definir-se como um conteúdo sonoro (palavra e/ou música) predeterminado por alguém (a direção de programas ou o autor) para ser ouvido (através de difusão hertziana terrestre ou outra, como o cabo, o satélite ou mesmo a Internet) por muitos (nos mais variados tipos de recetores), passivamente (o luxo é linear, irrepetível e não manipulável)” (ibidem, 2012: 162).

“O erro verbal é uma primeira dimensão do fator de clareza do som, que geralmente mostra um erro na leitura das notícias escritas anteriormente; mas também um defeito de articulação ou dicção, uma atitude insegura, uma formulação incorreta, complexa e confusa. Estes elementos questionam a formação profissional do jornalista, como se ele não dominasse todos os instrumentos de sua profissão. O ouvinte julga naquele momento a credibilidade daquele que não demonstra conhecer todos os elementos da sua tarefa profissional, com base num estímulo informativo, com uma má estrutura sonora, pouco inteligível ou pouco agradável ao ouvido” (Balsebre, 1994a: 56)[1].

Para um jornalista de rádio cujo instrumento principal é a sua voz, a articulação dos sons deve ser perfeita, pois implica que os seus recetores possam captar a mensagem em toda a sua extensão[2].

O jornalismo radiofónico não dispensa a objetividade e não aceita exageros de subjetividade. Tudo tem a ver com as características do suscetível de ser notícia, naturalmente, paredes meias com a linguagem utilizada pelo jornalista.

É verdade que da rádio se espera uma linguagem lúdica, afetiva, recriadora da realidade.

Luís Filipe Costa, nas conversas que fomos tendo, chamava-me a atenção para nunca divagar, concretizar, ir direto ao assunto. Com o tempo, fui aprendendo que devia trabalhar um texto dinâmico, na busca do concreto, com riqueza informativa e potencial afetivo, provocando recordações, emoções e sentimentos.

Barthes falava da característica polissémica do texto informativo que implica uma cadeia flutuante de significados entre os quais o recetor pode escolher uns e ignorar outros, é o fundamento textual da capacidade ressignificadora do recetor.

Há que escrever pensando numa perceção associativa, ou seja, o ouvinte associa sincronicamente vários códigos: imagem auditiva, palavra, som.

Sobre a eterna questão da objetividade nunca me deixei embalar na discussão do “sexo dos anjos”. A prática, os colegas e os ouvintes exigiam um comportamento preocupado com a verdade.  Sempre pensei que a veracidade se liga à pesquisa da verdade, ao caminhar na sua direção, fazer tudo para chegar lá. É a qualidade que distingue o jornalista responsável - ser credível perante o público.

Uma vez, estando de serviço em Sunderland, enviei uma crónica sobre um incidente num shopping, que envolvia jogadores da equipa que eu acompanhava. Filipe Costa disse-me, depois, que não tinha deixado ir para o ar a minha crónica. Concordei com ele porque, no “calor do momento”, eu tinha desprezado o princípio da imparcialidade. Aprendi com ele que não basta contar a verdade dos factos e ser objetivo. Se não for imparcial, tudo se desmorona. Objetividade, verdade (veracidade) mas também imparcialidade.

A garantia de imparcialidade começa na seleção do objeto relevante da informação determinada pelo direito do ouvinte a ser informado, não por interesses, favores ou privilégios. E, claro, com a apresentação de todos os pontos de vista, cuidando da neutralidade de seleção dos testemunhos.

Retomando o fio condutor, reconhecemos nas notícias na rádio (género básico de informação) características peculiares. Aí se encontram as condições elementares de veracidade, novidade, atualidade e interesse geral. Nunca consegui ver a informação fora de uma perspetiva estética. Rudolf Arnheim e a sua Estética Radiofónica ajudaram a reforçar ideias. A partir do intertexto teórico e estético dos anos 1930, começa uma fenomenologia precisa da rádio. Era McLuhan que falava sobre o "espaço acústico da rádio". O espaço de interação centralizado pelo narrador oral cria um ambiente intuitivo centralizador de um imaginário cultural. A oralidade mediada pela rádio, sem essa centralidade sensorial, tem que caminhar na partilha de uma imagem acústica criada no espaço acústico com as características de invisibilidade, simultaneidade, envolvimento, inclusão, integração, de modo a constituir o espaço como meio envolvente.

A noção de meios como extensão sensorial constituiu a grande hipótese que McLuhan explorou na questão fundamental: a mudança de perceção como possibilidade única que a cultura elabora para alterar os seus processos cognitivos.

Menezes diz que “Quase tudo se resume, na rádio, a falar e a escrever (e a ler, mas disso tratamos mais à frente) de modo a que o ouvinte nos entenda, de princípio a fim, com o mínimo de distração (o “ruído”).”[3]

É ele que afirma com propriedade que

o jornalismo – principalmente o da rádio – tem de ser direto, curto, incisivo e linear (sem que se torne básico ou vulgar).”

Credibilidade significa "tomar como certo algo que o entendimento não alcança ou que não está provado ou comprovado".

É muito importante acreditar que o que nos é dito é verdade, que as notícias e acontecimentos são verdadeiros e que quem nos comunica merece a nossa confiança.

Tendemos a acreditar no que está de acordo com as nossas próprias crenças, experiências, desejos, preconceitos ou esperanças e, portanto, colocamos a nossa confiança nos informadores que têm o nosso modo de pensar sobre diferentes aspetos da vida. Embora isso não signifique que os outros não sejam confiáveis, o nosso comunicador escolhido será mais aceite porque depositamos nele a nossa confiança. É por isso que a confiança é tão importante para se ganhar credibilidade, não apenas para alcançá-la, mas também para a manter.

Voltando à ideia inicial, se se pede clareza, o jornalista não pode provocar erros de leitura. Uma leitura perfeita tem um efeito de credibilidade no ouvinte. E a leitura com erros afasta o ouvinte. Aliás se a estética é a filosofia da arte que, por sua vez, procura o belo nunca pode condescender com o erro. A provocação do erro compromete a credibilidade das notícias. Se o jornalista se engana, tropeça nas palavras, acrescenta sons estranhos não reúne condições para ser credível. Ao comprometer essa credibilidade, leva o ouvinte a rejeitar tal manifestação de insegurança que o faz pensar que quem assim age não sabe do que fala e, portanto, não interessa.

 


Reflexões vertidas para aulas por

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

Referências

BALSEBRE, Armand, El lenguaje radiofónico, Madrid: Ediciones Cátedra

Díaz Rodríguez, La educación de la voz radiofónica,  Universidad de Sevilla. Departamento de Comunicación Audiovisual, Publicidad y Literatura, 2014

Meneses, João Paulo, “Estudos sobre a Rádio”, Mais Leituras Editora, 2012

Meneses, João Paulo, Jornalismo radiofónico, Formato eBook, 2016, dezembro

Prado, Emílio, Estrutura Da Informação R



[1] BALSEBRE, Armand, El lenguaje radiofónico, Madrid: Ediciones Cátedra

[2] Díaz Rodríguez, La educación de la voz radiofónica,  Universidad de Sevilla. Departamento de Comunicación Audiovisual, Publicidad y Literatura, 2014

[3] Meneses, João Paulo, Jornalismo radiofónico, Formato eBook, 2016, dezembro


Eufonia ou a harmonia das vozes na Rádio e na Televisão

Eufonia ou a harmonia das vozes na Rádio e na Televisão

Em 17/18 março 2005 participei no IV Congresso Luso-Galego de Estudos Jornalísticos e no II Congresso Luso-Brasileiro de Estudos Jornalísticos

Convidado a apresentar uma comunicação, escolhi “Eufonia ou a harmonia das vozes na Rádio e na Televisão”

É esse trabalho que reconstruo.

A reflexão que aqui se deixa é fruto de dezenas de anos de prática e da observação que se tem feito ouvindo a rádio e a televisão que se fazem em Portugal. É preocupante a leviandade com que a língua é tratada na sua expressão oral por quem serve, apesar de tudo, de referente a uma população que, fundamentalmente, ouve e vê informação mediática (e raramente lê). Rádios e televisões de dimensão nacional descuidam-se na utilização da voz, da fala, da fonética e, por arrastamento, comprometem a credibilidade do emissor. Quem acredita em alguém que, quando quer informar, hesita, tropeça, mastiga, empastela aquilo que está a dizer? Não será esse conjunto de “hums”, “mnhes”, “ããããs” uma fonte incomodativa de ruído, fruto de quem não está convencido do que informa, resultado expressivo de quem está inseguro? É uma espécie de moda que só pode ter sido lançada por quem não gosta de rádio e quer dela afastar tudo o que seja ouvinte.



Assim, esta reflexão tem por objetivo ponderar os diversos aspetos em que a comunidade académica interessada nas Ciências da Comunicação pode dar o seu contributo de forma a exigir-se que prepondere a eufonia sempre que haja comunicação para públicos mais ou menos vastos.

Podemos definir eufonia como uma emissão verbal harmoniosa e agradável ao ouvido. Do grego eu, bem ou bom, e fonos, som, voz. À eufonia opõe-se a cacofonia (do grego cacos, mau, feio, defeituoso, e fonos, som, voz). Eufonia é também um efeito rítmico e harmónico agradável produzido pelas sequências fónicas de um sintagma, de uma microestrutura textual. Eufonia significa, assim, som agradável, escolha harmoniosa dos sons, suavidade de pronúncia. Efetivamente, o que se diz na rádio ou na televisão deve soar bem, além do comunicador o dizer bem.

A eufonia (a harmonia, a agradabilidade) deve ser, pois, uma finalidade do som em geral e da rádio e da televisão muito em particular, já que marca uma relação que, para o ser, tem de constar de satisfação mútua, dotar o ouvinte/espectador do sentido da fruição, para que se sinta bem com o meio de comunicação. A rádio e a televisão têm de assumir em todos os momentos que a voz, acima de todos os outros elementos (música, efeitos, silêncios, imagem ou dados), é a garantia sonora da compreensão mútua e do entendimento com os ouvintes/espectadores.

A propósito da questão da linguagem radiofónica, por exemplo, considerando a rádio como meio de difusão, comunicação e expressão, implica que se privilegie a expressividade e o papel a desempenhar pela palavra mediada pela voz, pela música, pelos efeitos sonoros e pelos silêncios. Pegando no conceito de eufonia, ligado à agradabilidade do som da voz, alarga-se à harmonia que deve enformar a expressividade radiofónica. As potencialidades abertas pela digitalização apresentam-nos a rádio e a televisão como multimédias, o que levanta a questão dos conteúdos que, cada vez mais, pedem ao comunicador de rádio ou de televisão um permanente exercício da criatividade e alargada pela vertente interativa.


Entre 1968 e 1975, no Rádio Clube Português, realizei e apresentei o programa "Norte Dia a Dia" onde experimentei, com sucesso, um noticiário regional escrito para ser lido com o balanço e o ritmo de uma música de jazz de características eletro-acústicas. Resultou de um trabalho conjunto de Gonçalo Nuno Faria, Rui Lima Jorge e eu próprio. Normalmente o texto era do Gonçalo e eu ou o Lima Jorge procedíamos à leitura e respetiva sonorização. Estava encontrada uma fórmula que resultava em pleno, dotando a rádio que se fazia de uma expressividade cativante. Quando, anos mais tarde, o Gonçalo tentou repetir a fórmula na RDP, não encontrou nem vozes nem sensibilidades artísticas que fizessem com que o processo resultasse. E aquilo que, anos antes, tinha sido um sucesso, revelou-se, com outras vozes, um autêntico fracasso. A diferença não estava na palavra escrita, mas na falada e na ausência de sentido de eufonia de outros profissionais. O título do espaço noticioso era o mesmo, "Norte em Notícia", o autor do texto continuava a ser o Gonçalo Nuno Faria, mas eram outros os responsáveis pela expressividade radiofónica (ou sua ausência, para ser mais correto).

Pude aqui descobrir duas das funções da linguagem de que fala Jackobson. A função fática ao procurar estabelecer e manter a atenção do ouvinte, em que o prazer de comunicar quer dos criadores (emissor) quer do ouvinte (recetor) estabelece uma comunhão de interesse e atenção partilhados. A função metalinguística, do código, em que os criativos numa linguagem radiofónica, por certo arbitrária, mas que se afirmou naquele específico contexto social. Aliás, a necessidade de passar informação que apelasse à inteligência para uma descodificação do sentido verdadeiro, era um recurso utilizado com frequência para iludir a censura.

O profissional de rádio tem de ter presente que é pela voz e pelo ouvido que o homem adquire o seu estatuto de sujeito. Ouvir alguém na rádio é ouvir a sua voz e, cada vez que o ouvinte concentra a sua atenção na escuta, deixa ecoar dentro de si a fala do outro. É pela voz que o ouvinte vai descobrir o "não dito", o sentido profundo da mensagem. Se o profissional não tem consciência disto, as suas palavras ficam vazias. Ao abdicar da coloquialidade está a colocar o ouvinte à distância. Não comunica com ele. O afeto deve passar através da fala num esforço permanente do profissional da rádio fazer sentir ao ouvinte de que está com ele e que partilha um código de compreensão, ou seja, de comunicação.

"A voz permite que a linguagem fique retida no corpo do sujeito sem se alienar: inversamente, garante à linguagem o seu peso como matéria, sem o qual se converteria apenas em código vazio". Isto leva-me a deduzir, sem dificuldade, que a eufonia, a harmonia, a agradabilidade deve ser uma finalidade do som em geral e da rádio muito em particular, já que marca uma relação que, para o ser, tem de constar de satisfação mútua, dotar o ouvinte do sentido da fruição, para que se sinta bem com a rádio.

 


"Al margen de que la palabra que se difunde sea improvisada o leída, escrita por uno mismo o por otro, de carácter sugestivo o meramente informativo, el primer contacto sensitivo del oyente con el emisor es la voz. Ella es la que identifica y sitúa  psicológicamente al hablante en la mente de quienes se encuentran al outro lado del recetor" (Muñoz y Gil, 1986: 53)

 

Aqui têm influência três fatores fundamentais: a vocalização, a entoação e o ritmo. Quanto à vocalização, basta referir que uma pronúncia deficiente dos fonemas tem como consequência imediata a perda da clareza da mensagem.

A entoação diz respeito ao facto de a linguagem oral incorporar uma musicalidade que, através do timbre, do tom e da intensidade da voz (convenientemente modulada) transporta maior carga semântica e possibilidades expressivas mais ricas. Conforme Rodríguez (1998: 85), reconhece-se que o timbre é uma sensação auditiva complexa que nos possibilita perceber a estrutura acústica interna dos sons compostos e que é independente da duração, do tom e da intensidade, sendo-lhes, contudo, simultânea.

 

"Intensidad o propiedad por la que un sonido es más o menos fuerte.(.../...) Tono o propiedad por la que un sonido es más o menos gráve o agudo. (.../...) Duración o persistencia durante un tiempo. Es la velocidade com que aparece el sonido: rápido, lento" (Cebrián,1995: 359)

 

A propósito da entoação, Balsebre fala da melodia da palavra, componente desprezada com frequência desmesurada na rádio que se ouve. Para ele, a expressão musical da palavra radiofónica e a sua significação linguística são definidas conjuntamente pela melodia ou pela entoação. Na expressão de Constantin Stanislavski (citado em Balsebre, 1996: 57):

 

“El subtexto es un tejido de esquemas innumerables y diversos dentro de la obra y del personaje, hecho de "síes mágicos", cir¬cunstancias dadas, todo tipo de ficiones de la imaginación, movi¬mientos internos, objetos de atención, verdades pequeñas y gran¬des y la creencia en ellas, adaptaciones, ajustes y otros elementos similares. Es el subtexto lo que nos hace decir las palabras que de¬cimos en una obra»”.

 

No que diz respeito ao ritmo, devemos ter em conta que varia em cada tipo de mensagem ou, inclusivamente, ao longo da mesma mensagem. Não deve ser demasiado apressado nem exageradamente lento. O primeiro pode “cansar” o ouvinte e o segundo pode aborrecê-lo. Em qualquer dos casos ele “desliga” do que está a ser dito e até pode "ligar" para outra emissora.

 


"En un sentido más subjetivo, entendiendo el proceso de percepción ¬radiofónica como una aprehensión de formas sonoras ininterrumpidas ¬en una secuencia, y como percepción de una periodicidad previsible (…/…), ritmo es la periodicidad percibida, la dimensión que fija la naturaleza de la periodicidad percibida, la proporción en que son percibidas las distintas secuencias sonoras" (Balsebre, 1996: 69)

 

A rádio, tenho-o dito com frequência aos meus alunos, é o meio mais motivador de imaginação no contexto mediático. A experiência mostrou-me isso inúmeras vezes. Cito o exemplo de um colega de profissão que era dotado de uma voz jovial e de grande expressividade. Estávamos no início dos anos 70 e os estúdios do Rádio Clube Português, no Porto, ficavam perto de uma escola secundária feminina. Umas quantas alunas pediram autorização para visitar os estúdios e disseram que gostariam de conhecer o locutor tal. Lá veio o meu colega, careca, gordo, baixinho. Desilusão completa para as meninas cuja imaginação tinha colocado aquela voz num corpo muito mais interessante e sedutor. O cumprimento foi cerimonioso e, no fim de contas, a visita aos estúdios não passou do hall de entrada porque, estava visto, o que as meninas queriam era conhecer de perto o seu “ídolo”. Só que ele estava nos antípodas daquilo que imaginaram e a debandada foi imediata. Para desgosto do meu colega...

Guy Rossolato (citado por Castarède, 1991:161) identificava na voz uma origem corporal, orgânica e de excitação, e considerava-a uma força, um campo, um objetivo, de prazer, ligado a uma tensão que é preciso reduzir, um objeto, para atingir um recetor, assegurar uma comunicação. “Pode-se considerar a voz, e, por conseguinte, a música, como uma metáfora do impulso em geral - o impulso sem outro representante a não ser a própria música”.

Este impulso de afeto e até de representação (não só através da música, mas também dos efeitos e do silêncio) compõe a expressividade harmónica estruturada e estruturante, dotando de sentido a mensagem apelativa da imaginação do ouvinte que a completa. O que leva Balsebre (Ibd. 41) a dizer que

 

"El tratamiento musical de la voz, sin perjuicio para la significación semántica (inteligibilidad del texto en un contexto comunicativo), há de estar presente también en la connotación estética de la palabra radiofónica. En la radio, la componente estética del mensaje radiofónico transciende el significado puramente lingüistico de la palabra. De outra manera, será muy difícil aceptar la importancia de dimensiones acústicas, como la intensidad, el tono, el timbre o el ritmo en la codificación de la palabra radiofónica".

 

A rádio digital vem colocar todas estas exigências em relação à palavra radiofónica como condição sine qua non para o comunicador avançar com novas propostas de composição harmónica dotada de sentido estético, envolvendo agora uma específica qualidade sonora e a particularidade de lidar com outros elementos representativos traduzidos em dados (que podem representar, sons, textos, imagens ou gráficos).


A receção das mensagens radiodifundidas

Os quatro tipos clássicos de receção das mensagens radiofónicas foram explicados por Abraham Moles (citado por Ortriwano, 1985: 82):

 

"a) ambiental: quando o ouvinte deseja que a rádio lhe propor¬cione um "pano de fundo", seja através de música ou de palavras;

b) companhia: o ouvinte presta uma atenção marginal interrompida pelo desenvolvimento de alguma atividade paralela;

c) atenção concentrada: supõe que o ouvinte, mesmo exercendo outras atividades paralelas, aumenta o volume do recetor, concentrando a atenção na mensagem que lhe interessa;

d) seleção intencional: é a seleção de um programa concreto por parte do ouvinte".

 

Considerando que a enunciação discursiva na rádio é de base verbal, a voz é o elemento principal da expressividade radiofónica. Num meio desprovido de imagem visual, a voz adquire mais importância do que no teatro, no cinema ou na televisão.

Por definição, eufonia significa som agradável, escolha harmoniosa dos sons, suavidade de pronúncia. Efetivamente, o que se diz na rádio deve soar bem, além do comunicador o dizer bem. Copeau (citado por Merayo, 1992: 296) dizia:

 

“Será necessário que as vozes sejam bonitas. Será necessário que sejam simpáticas. Será necessário que sejam diversas em maturidade. Será necessário que estejam organizadas. Será necessário que sejam capazes de todos os tons, do mais ligeiro murmúrio à declamação mais ampla e sustentada, até ao canto”.

 

Tais exigências, imprescindíveis nos programas de criação, são também, prudentemente, aplicáveis à informação. A alternância de vozes de timbres diferentes e tom agradável melhora a apresentação das notícias, torna os noticiários mais dinâmicos e, portanto, mais “fáceis” de ouvir.

A eufonia tem muito a ver com uma locução adequada e também com a combinação harmónica da palavra com os outros elementos sonoros. Embora de forma muito limitada, já é possível ouvir efeitos sonoros e até musicais, a enquadrarem as notícias, servindo de cortina separadora de temas. Mas, em tempos, o Rádio Clube Português chegou a utilizar efeitos sonoros a separar cada notícia, fazendo para o ouvido aquilo que o ponto e parágrafo fazem na escrita. Sabia o ouvinte que tinha acabado uma notícia e ia começar outra.

Se ao caráter expressivo da voz humana lhe acrescentarmos efeitos e cortinas musicais, como timidamente alguns vão fazendo, a informação radiofónica identifica-se mais com o meio que vive exclusivamente do som, adquire mais vivacidade e resulta num verdadeiro espetáculo para o ouvido que se espera que a rádio seja. Tudo isto no pressuposto estético e deontológico de não cair no ridículo e dispersar a atenção do que verdadeiramente é importante - a notícia. A combinação dos recursos sonoros que integram a mensagem radiofónica, deve não só adequar-se à ética profissional como perseguir o sentido estético de uma verdadeira harmonia acústica.

O princípio essencial assenta no facto de os espaços de emissão deverem constituir um conjunto harmónico com o todo da programação em que estão inseridos. Esta harmonia, ambientação eufónica por extensão, exige que a todo o momento, os diferentes elementos da mensagem radiofónica (palavras, música, efeitos ou silêncios) se ajustem esteticamente, sem que transpareçam combinações bruscas, desordenadas ou cacofónicas.

O nosso ouvido, perante uma simultaneidade acústica, pode combinar vários sons, percebê-los todos juntos e selecionar os que mais lhe interessem, subalternizando ou desprezando todos os outros. Após a seleção, estão criadas condições para corresponder à atenção dirigida e concentrar-se no que lhe interessa. Também acontece que o nosso ouvido está condicionado por um determinado ritmo à sucessão de sons que lhe apresentam. Assim, o ritmo musical ou o ritmo da linguagem falada repercutem-se na audição e correspondente compreensão das mensagens.

A saúde da voz

Depois do que se disse sublinhe-se que as características da voz falada exigem que a respiração seja natural. Assim, o ciclo completo de respiração varia de acordo com a emoção e o comprimento das frases e a velocidade de fala, o que implica uma inspiração relativamente lenta e nasal nas pausas longas, sendo mais rápida e bucal durante a fala, com uma pequena movimentação pulmonar e da expansão da caixa torácica. Estamos aqui no domínio da coordenação pneumofonoarticulatória.

O objetivo da voz falada é, então, a transmissão da mensagem, com articulação precisa mantendo a identidade dos sons. Vogais e consoantes com duração definida pela língua que se fala. O padrão de articulação sofre grande influência dos aspetos emocionais do falante e do discurso. Fala aparece espontânea e articulada.

Em nenhum lado se aprende a falar com hesitações, com ruídos, com tropeções. Então onde é que alguns dos nossos profissionais da rádio e da televisão, nomeadamente jornalistas, vão buscar as bases para falar tão deficientemente?

Há tantos e tão divertidos exercícios para fazer. Há tantos aspetos a cuidar na nossa voz. São enormes as vantagens que obtemos conhecendo coisas elementares que os profissionais da saúde nem acreditam que os comunicadores tudo façam para menosprezar o seu instrumento de trabalho: a voz.

Daí que seria interessante motivar os comunicadores, professores incluídos, a terem conhecimentos de fisiologia (mecanismos e funções) da voz e cuidados com o aparelho fonador, a evitar o abuso e o mau uso da voz no trabalho e, principalmente, nas atividades extra profissionais. Evitar condições adversas: ambiente refrigerado, poeiras, acústica inadequada, pressões psicológicas, falta de hidratação adequada, falar fora de seu registo vocal, dinâmica corporal inadequada, hábitos alimentares inadequados, consumo de tabaco, álcool, e por aí fora.


Conclusão

A formação do ouvinte/espectador, na minha compreensão, passa pela formação da sua cidadania. Esse é o compromisso de quem é comunicador profissional.

Os cidadãos têm uma forte componente de formação na medida em que os profissionais dos media estimulem o seu gosto pela informação e lhes proporcionem estratégias de conhecimento que lhes possibilitem a fruição máxima dos sentidos textuais. Daí, então, as duas condições necessárias para a formação do ouvinte/espectador/leitor: ter o prazer de ouvir par depois poder contar.

A primeira condição não se circunscreve, é claro, apenas ao prazer estético ou ao lazer, mas inscreve-se no atendimento das mais diversas necessidades de informação do cidadão; a segunda, por sua vez, não é exclusiva dos media nem das salas de aulas.

Os media e os jornalistas não são os únicos responsáveis pela formação do cidadão: a família, a escola e a sociedade, conforme os desenvolvimentos que a agenda setting tem evidenciado, são corresponsáveis no processo formativo fundamental. Porque uma criança recebe as influências da família, por cujas figuras parentais modela a sua personalidade. Para ela, o ato de ler, por exemplo, não pode pertencer apenas ao universo escolar. Assim, o indivíduo que vive em sociedade se quer participar com consciência no processo de decisão tem de se informar.

É preciso, então, termos a clara noção da partilha dessa responsabilidade de formação/informação a fim de não remeter para o jornalista (apenas) ou a escola (somente) ou a família (unicamente) ou a sociedade (exclusivamente) a sensação de fracasso e o complexo de culpa pelo défice de cidadania. O problema que aqui se colocou está antes de tudo isso. Localiza-se em razões tão elementares como o saber escrever e saber falar para poder veicular informações. Ora se nós que “O Papa foi internado com um problema cardio-respiratório” porque é que o jornalista de rádio ou de televisão há-se dizer:

 “a mmmmm o Papa aaaa foi internado mnhhhhh, com um problema a cárdio-respiratório”?

Quem leva a sério uma leitura nestes termos? Onde está a credibilidade de quem assim nos fala?

Da forma como raciocinei acima, posso ter dado a entender que todos os jornalistas optaram, a partir dos anos 90, pela “mastigação” dos textos objetos das suas leituras/notícia; não é, de forma alguma, tanto assim: o que tentei foi apontar muito sumariamente a situação que se vive em alguma da nossa comunicação mediática audiovisual.




BIBLIOGRAFIA

BALSEBRE, Armand, 1996, El lenguage radiofónico, ed. Catedra, Madrid.

CASTARÈDE, Marie-France, 1991, A voz e os seus sortilégios, Caminho, Lisboa.

CEBRIÁN HERREROS, M., Mariano, 1995, Información audiovisual, Sintesis, Madrid.

MERAYO, Arturo, 1992, Para Entender La Radio, Upsa, Salamanca.

MELO, R. de, 2001, A Rádio na Sociedade da Informação, Ed. UFP, Porto.

MUÑOZ e GIL, José Javier e César, 1986, La Radio Teoria y Práctica, IORTV, Madrid.

ORTRIWANO, Gisela Swetlana, 1985, A informação no rádio, Summus Ed. - S. Paulo.

RODRÍGUEZ, Ángel, 1998, La dimensión sonora del lenguaje audiovisual, ed. Paidós, Barcelona.

 

Rui de Melo

 Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

IV Congresso Luso-Galego de Estudos Jornalísticos

II Congresso Luso-Brasileiro de Estudos Jornalísticos

17/18 MARÇO 2005

 

 

 

 

 

 

 

 A rádio, as pessoas e as suas coisinhas



A rádio tem a sorte de ter um estudioso como o professor Rogério Santos. Entre várias obras publicadas, artigos e comunicações diversas, tem HISTÓRIA DA RÁDIO EM PORTUGAL, em https://radio.hypotheses.org/.

Aconselho, a quem gosta de rádio, a passar pelo site. Lá se conta muita coisa interessante. Deparei-me com a “Micas Eletromecânica”, figura que conheci pessoalmente e cuja fama gerava invejas e maledicência. O Professor Rogério Santos, com base numa carta depositada na Torre do Tombo, conta a história que aqui se reproduz.

Rogério Santos
Doctor of Philosophy

“Lover Come Back to Me foi traduzido por Amor Salta para as Minhas Costas. A Micas Eletromecânica não deixava por mãos alheias uma mais que boa tradução! O problema maior era quando dizia ládi em referência a uma senhora, pois havia sempre uns ouvidos sensíveis. Do relato sobre a intervenção da locutora, ficou ainda a resposta torta do dono da rádio. A Micas Eletromecânica gostava de ir para o estúdio de avental e de chinelos, diziam os críticos. Ela era a verdadeira super-mulher, dividida entre dona de casa e radialista. Isto tudo se passaria no já longínquo novembro de 1945. De todos os modos, simpatizo com a tradução. Andar às costas de alguém é tão polissémico e a permitir diversas interpretações para um psicanalista.”

O Electro-Mecânico ficava na rua de Santa Catarina, por cima da confeitaria Atlântida. Lembro-me do cheiro a bolos que pairava naquele primeiro andar onde conheci a Liliana de Abreu, a Maria do Carmo, o Álvaro Pacheco e o Alfredo Alvela, mais tarde, meus colegas no Rádio Clube Português. Júlio Guimarães, Fernando Gonçalves, António Batista, Henrique Geração, Aníbal Barroso frequentavam, mais ou menos assiduamente, os estúdios sempre em renovação.  Manuel Moreira foi dos primeiros a comprar equipamento Ampex, de qualidade top em material de gravação de som.

Por tudo isto estou à vontade para dizer que a senhora em questão tinha cultura suficiente para não cometer um erro tão crasso. A mesma história foi-me contada em Lisboa, pessoalizando-a também numa voz feminina. A cultura “marialva” aproveitava tudo para subalternizar o papel da mulher na sociedade.

Como esta, há muitas histórias, mais ou menos anedóticas, como a do locutor que se despiu na cabine enquanto fazia a emissão, na jornalista que falava do rio Cavado, em vez de Cávado, ou da que esmiuçava o mapa de África para descobrir onde ficava o apartheid.

A resposta de Rogério Santos não tardou.

Caro Rui de Melo, caro amigo. Eu procuro nunca especular sobre um assunto de História. A minha fonte é uma carta depositada na Torre do Tombo, datada e assinada. Logo, não deve (pode) ser ignorada. A hipótese mais extrema de erro por parte de quem escreveu seria a de uma calúnia numa época de censura e maledicência, mas parece-me pouco provável. Os outros exemplos não os comento, por não possuir documentação adequada.

A maledicência era corriqueira em relação a quem fazia rádio, cantava, fazia teatro ou tinha um qualquer destaque público. Embora criança, acompanhei todo aquele ambiente feito de gente interessada, interessante, mas com alguma megalomania que, frequentemente, revelava uma ausência completa do sentido do ridículo.

A carta da Torre do Tombo é semelhante a tantas outras que aliviava as frustrações de certa gente. Umas vezes escondiam-se no anonimato e outras usavam nomes inventados. Era um fenómeno muito frequente.

Conhecedor dos cuidados criteriosos do Professor Rogério Santos, achei por bem dar-lhe o meu testemunho.

A Laura Moreira, por viver em união de facto com o proprietário Manuel Moreira, situação "escandalosa" para a época, era uma mulher de iniciativa, invejada e muito criticada. Dirigia peças de teatro, convidava autores, fazia adaptações de obras consagradas. Por lá vi gente dos "Modestos" e do "Experimental". Eu próprio fui dirigido por ela em papéis infantis de teatro radiofónico.

Quando o Electro-Mecânico deixou a Rua de Santa Catarina e se mudou para D. João IV, ela resolveu não acompanhar a mudança porque, julgo saber, não concordava com ela. E lá se recolheu na casa do Jardim de S. Lázaro onde morava.

Lembro-me da sua figura a um tempo bonacheirona, mas determinada na sua "autoridade". O pessoal que por lá passava tinha-lhe respeito.

Finalmente, quero expressar a minha admiração, o meu respeito e agradecimento pelo trabalho desenvolvido pelo Rogério. É um serviço público que não há dinheiro que pague. Um grande abraço do

Rui de Melo

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca

e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

 

Um criativo singular num exercício ficcional de rádio


Reflexões vertidas para aulas por

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa

 


Tito Ballesteros López é colombiano e um comunicador social. Especialista em Gestão de Comunicação Organizacional. É produtor, pesquisador, coordenador e co-autor de diversos livros. Assina Cuadernos de radio que disponibiliza em https://drive.google.com/drive/folders/1wiyZ2w-dsUcLiam2PJ-u12Ioc9I_0xOB.

Faz parte da muita informação que recebo de todos os quadrantes, incluindo a América Latina onde há gente muito interessante no estudo e na investigação em rádio. Só muito recentemente comecei a ler trabalhos deste autor e acho que vale a pena partilhar com os meus seguidores um texto singularmente criativo embora, naturalmente, especulativo. Sempre entendi que a rádio implica criatividade, ser diferente e ter um estilo próprio. O texto de que, parcialmente, vos dou conta, denuncia o gosto que sempre tive em surpreender o ouvinte, em partilhar informação, em acrescentar qualidade de vida ao ouvinte. Nesta linha, tive sempre gente muito inovadora nos temas e respetiva abordagem como, entre muitos outros, foram os casos de Costa Carvalho e Joaquim Fernandes, com Extravagário, o Século XX e OVNIs. Criou-se, inovou-se, transmitiu-se conhecimento.

Sempre com os olhos e os ouvidos postos na realidade, trabalhou-se a ficção, desafiando o ouvinte a acompanhar a nossa imaginação.

Julgo que esta breve introdução explica a divulgação das ideias de Tito Ballestreros.

Ele parte do princípio que vivemos numa esfera digital movida pelo conceito de objeto mudado ou Internet das coisas[1], que, no caso dos meios de comunicação, modificará a rádio e, particularmente, as suas ofertas programáticas.

Ele pensa em pessoas conectadas a aparelhos de escuta, a partir dos seus próprios impulsos cerebrais, sintonizando os canais de áudio da sua escolha. Essa nova noção de programação baseada em impulso irá ordenar ao cérebro, com base nas impressões digitais de cada ouvinte, para contatar qualquer meio no mundo via online e permitir o acesso a conteúdo específico.

A programação de rádio não será mais proposta por um comunicador ou especialista em matéria de som, mas sim por uma espécie de algoritmos ou sensores cerebrais. Além disso, a programação da rádio será alimentada por outros conhecimentos que não a comunicação social e prevemos que intervirão físicos, matemáticos, assistentes virtuais, inteligência artificial e até robótica.

Ballestreros avança na ficção dizendo que graças aos avanços médicos, as pessoas viverão mais, enquanto as experiências de rádio serão modificadas para servir a novos públicos. O texto sonoro terá uma ótima receção em pessoas entre 90 e 110 anos, as formas de narrar, portanto, mudarão e o meio não será nada sem a ajuda de suportes biónicos ou sentidos expandidos. As emissoras terão muito mais atores disponíveis para receber suas mensagens e o público será cada vez mais exigente. Começará a era do turismo espacial e aumentarão os programas de rádio sobre esta experiência e diariamente serão realizadas transmissões ao vivo do espaço. Tudo isso acontecerá no futuro e o fato de não participarmos disso não significa que não existirá.

Sabemos, por informações biológicas, diz ele, que a mudança de humor de uma pessoa pode ser modificada de acordo com o ambiente em que se encontra. O suporte da tecnologia e da Internet das Coisas, os humores podem mudar de forma autónoma. Práticas como mudar as cores das paredes de uma sala, acender ou apagar as luzes, escolher roupas, usar maquilhagem mais ou menos colorida no futuro serão simplesmente rotinas.


A programação como a conhecemos hoje será uma coisa do passado. Outras formas florescerão. Os meios de comunicação, em geral, “vão-se render” ao público, vai construindo as suas ideias, agora sim, com ele. A inovação continuará a ser oxigénio para o meio de comunicação e, a partir de agora, o mundo estará sempre em beta, em teste.

As notícias, segundo Ballestreros

As notícias deixam de ser massivas e os públicos focados nos geo-hábitos vão querer ter informações personalizadas e tudo isso também vai acontecer graças aos algoritmos e à chamada pegada digital. As rádios noticiosas irão programar os seus conteúdos não apenas a partir do som, mas comunicarão suas ideias a partir de propostas baseadas em novos e ampliados sentidos externos como os proporcionados pela realidade aumentada.


 

As notícias deixarão de ser apenas ouvidas. Será possível cheirar, sentir e ouvir através de um dispositivo móvel. Os odores de reportagem de notícias deixados por uma explosão podem ser farejados por meio de um dispositivo móvel. O teletransporte das informações ou convidados para a cabine será diário[2]. Em alguns anos, o ouvinte controlará toda a experiência auditiva.

Com a superabundância de informações, a rádio perderá credibilidade como meio de comunicação de massa, notícias falsas e não confirmadas inundarão a sua vida e ganharão aqueles que mantiverem o melhor equilíbrio informativo. não será necessário ter um rádio para ser informado. As notícias vão saltar em todas as partes do mundo, vamos tropeçar nelas e é por isso que a rádio noticiosa, que não oferece mais que notícias, perderá a sua grande força, a sua zona de segurança. será necessário aprofundar a análise, a convergência, em algo mais do que relatar a partir da já exaurida pirâmide invertida, do quê, quem, como, quando e onde.

A rádio, as coisas

As cabines das estações mudarão a sua aparência sem necessidade de grandes investimentos.

O dispositivo físico a partir do qual o meio de comunicação é sintonizado, conectado à Internet, também permitirá o aparecimento de hologramas. "Muda a frequência, os hologramas mudam”.

Graças à Internet das Coisas, a transmissão conectada à Internet fornece aos produtores informações em tempo real sobre os temas que estão a ser tratados em cada espaço sonoro. Estatísticas, dados, figuras, mapas e recursos que serão conectados via Bluetooth para alimentar os conteúdos programáticos quando necessário.

Os microfones biónicos terão discos rígidos. Em última análise, com a Internet das Coisas, os objetos "pensarão" por si próprios.

A partir do aparelho de escuta será possível saber informações adicionais àquelas narradas por cada locutor, o aparelho a partir de telas adicionais ou suspensas fornecerá links, bibliografias, dados, estatísticas, etc.

Todos terão a voz que desejam. Graças à realidade aumentada, os ouvintes podem "caminhar" virtualmente pelos locais descritos nos programas de rádio. Se o locutor narra uma perseguição policial ao vivo e direta, ela pode ser acompanhada a partir de realidade aumentada pelos ouvintes como se estivessem no local dos fatos.


Usando implantes de chips no corpo humano, podem ser gravadas paisagens sonoras, por exemplo.

A música de cada estação pode ser personalizada. Pode haver composições musicais ou arranjos feitos pela comunidade onde os meios de comunicação estão localizados. A Internet das Coisas transformará as produções sonoras em conteúdos envolventes. Ou seja, menos transmissores com mais recetores participando da ação da rádio.

Todos os equipamentos recetores serão dotados de inteligências que permitem traduzir qualquer mensagem e oferecê-la na língua do lugar geográfico de onde o sinal é sintonizado. Os tradutores ficarão melhores e mais rápidos.

A tecnologia impulsionará a criatividade temática. Outros tipos de narrativas que não conhecemos hoje irão aparecer e os géneros e formatos serão reformulados. O criativo da rádio nunca pode ser substituído, o resto da equipe pode não ser necessário. Correr riscos sempre será importante e fará, como hoje, a diferença entre um e os outros líderes de rádio.

A internet será regulamentada. Como modelo de negócio, a web oferecerá respostas para formas reais de monetizar conteúdo, canais e multicanais. Ninguém vai querer pagar por publicidade como hoje é feita nos meios de comunicação porque a forma de promover os produtos encontrará mais efeitos positivos nos espaços alternativos do que nos convencionais. O futuro representa uma mudança de mentalidade para a publicidade: o comércio eletrónico será sua nova plataforma, seu novo aliado.

Os futuristas dizem que até 2030 milhões de empregos desaparecerão. As pessoas terão mais tempo livre. Os empregos serão escassos e o ludismo reunirá todas essas experiências que procuram passar o tempo utilizando-o em alguma atividade, então, a rádio terá um público ávido por entretenimento, informação e participação.


 

Ballestreros antevê novos dispositivos

Visualizadores de realidade virtual.

Assistentes virtuais para procura de notícias.

Dispositivos com inteligência artificial para aprender mais sobre o público.

Novos sentidos fora do corpo para ouvir de forma diferente e assim interagir com o público.

Mãos e dispositivos remotos para programar o meio de comunicação.

Equipamento para projeção de holografias e transporte da imagem para o aparelho recetor.

Microfones e terminais inteligentes que contribuem com recursos para programas ao vivo.

Óculos para monitorar o público onde quer que esteja.

Simuladores para a realização de transmissões ao vivo.


Plataformas holográficas para fixar pontos de transmissão.

Roupas inteligentes para se conectar com o público e receber informações.

Telefones inteligentes, autónomos e com inteligência artificial.

Equipamento de tradução inteligente para quebrar a barreira do idioma em espaços aéreos.

Monitores com áudio e vídeo da mais alta qualidade.

Dispositivos pequenos para armazenar grandes quantidades de música.

Smart desks que vão “falar” com quem interage.

Cadeiras e móveis conectados à Internet.

Antenas e transmissores em tamanhos pequenos.

As edições de rádio podem ser feitas telepaticamente.

A rádio, que é uma tecnologia, é chamada a abraçar com todo carinho e trabalhar em equipe com as novas tecnologias. A dinâmica da mudança exige que os jornalistas de rádio mudem.

O caminho é incerto, mas, certamente, também emocionante.


 

Inspiração em Cuadernos de radio, de Tito Ballesteros López.

Fonte:

https://drive.google.com/drive/folders/1wiyZ2w-dsUcLiam2PJ-u12Ioc9I_0xOB.

 

Rui de Melo

Doctor en Periodismo y Ciencias de la Información na Universidad Pontificia de Salamanca e licenciado em Direito pela Universidade Católica do Porto

Professor Associado, aposentado, da Universidade Fernando Pessoa



[1] O conceito de Internet das Coisas foi proposto por Kevin Ashton no MIT Auto-ID Center em 1999.

[2] A palavra teletransporte foi criada pelo escritor e pesquisador americano Charles Fort no início dos anos 1930. Ele usou a palavra para descrever a conexão entre desaparecimentos e aparições misteriosas em diferentes partes do mundo.

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